O Congresso rejeitou o terceiro pedido de destituição do ministro de Defesa, Diego Molano, na última quarta-feira (04/05), com 116 votos contrários e 28 favoráveis. Molano enfrentou uma nova sabatina na Câmara de Deputados por uma operação militar realizada no dia 28 de março, na região de Putumayo, região do Pacífico colombiano, que terminou com 11 civis mortos.
O ministro argumentou que se tratava de uma operação para combater as dissidências das FARC-EP, no entanto só foi confirmado o vínculo de uma das vítimas com a ex-guerrilha. A bancada parlamentar opositora denunciou o caso como mais uma operação de falsos positivos — quando o Exército executa camponeses e forja sua relação com grupos insurgentes.
“Molano tenta legitimar a ação dizendo que são dissidências das FARC, quando se trata de uma comunidade indígena que realizavam um bazar para arrecadar fundos para realizar obras dentro do seu território”, comenta a advogada e membro do Congreso de los Pueblos, Magaly Pino.
O ministro havia sofrido outros dois pedidos de destituição, em maio e junho de 2021, pela repressão à greve geral. O governo de Iván Duque é a gestão que enfrentou a maior quantidade de moções de censura — um total de 10 pedidos em quatro anos de mandato.
“A maioria dos representantes do Parlamento permite que todas as ações contra o povo permaneçam em total impunidade”, denuncia Pino em entrevista ao Brasil de Fato.
Diante do resultado, os senadores de oposição, Iván Cepeda, Antonio Sanguino e Angélica Lozano apresentaram novas denúncias de abusos do exército contra comunidades camponesas. Em vídeos apresentados por Cepeda, soldados colombianos atearam fogo em uma comunidade da província de Artemisa, em represália a um protesto que denunciava a desaparição de cinco civis. Também há uma denuncia de outro incêndio criminoso, realizado no dia 5 de março, numa comunidade indígena, na província de Caquetá.
Falsos positivos
Os casos de falsos positivos não são recentes na Colômbia. Um levantamento realizado por dez organizações de direitos humanos aponta que entre 2002 e 2008 houve 6.402 vítimas de falsos positivos no país. Em audiência da Jurisdição Especial da Paz (JEP), ex-militares do Exército assumiram que as execuções extrajudiciais foram adotadas de maneira sistemática pelas Forças Armadas para cumprir com metas de “baixas” de guerrilheiros durante as gestões do ex-presidente e padrinho político de Duque, Álvaro Uribe Vélez.
“Havia que buscar os resultados da forma que fosse. Os grupos de guerrilha não encontrávamos, mas havia que dar resultados. E não foi unicamente na minha divisão. Esse era o modus operandi de outras patrulhas”, afirmou em depoimento à JEP Néstor Guillermo Gutiérrez, ex-comandante da Brigada Móvil 15, que atuou na região do Catatumbo, Norte de Santander.
Wikicommons
Forças Armadas do país têm histórico de ‘falsos positivos’: matar civis como se fossem combatentes das FARC
Sob a política de “Segurança Democrática”, militares passaram a armar emboscadas para camponeses a fim de apresentar os mortos como guerrilheiros. Somente entre 2006 e 2008, foram computadas 2.401 execuções extrajudiciais em 10 departamentos colombianos.
O ex-sargento Rafael Antonio Urbano explicou aos magistrados da JEP como procediam os militares, detalhando o assassinato de Luis Antonio Sánchez Guerrero, quem trabalhava como moto-táxi na cidade de Ocaña, Norte de Santander.
“Nós tiramos esse jovem de casa, dizendo que queríamos que nos fizesse uma corrida, nós o enganamos para que saísse da cidade e o entregamos ao major Rivera para que procedesse com o assassinato”, afirmou. Major Daladier Rivera Jácome era o chefe da inteligência militar da Brigada Móvl 15 entre 2005 e 2007.
O ex-militar também explicou que era comum falsificar os documentos entregues ao Ministério Público para dissimular confrontos armados entre militares e civis.
“Há uma associação entre polícia, exército e grupos paramilitares. São exércitos armados que representam os interesses de clãs familiares colombianos que sob sangue e fogo desalojam as pessoas para conservar seu status e empregam mecanismos cada vez mais violentos.Está muito mais evidente essa relação de compadrio entre o Estado e essas forças irregulares para ameaçar todo aquele que pense diferente”, comenta advogada Magaly Pino.
O relatório da articulação Espaço de Litigio Estratégico também analisa 50 discursos de Uribe que reforçaram a pressão do presidente sobre as Forças Armadas e legitimaram as operações falsas.
A JEP foi uma das estruturas criadas a partir dos Acordos de Paz, assinados em 2016 entre o governo colombiano e as FARC-EP, com o objetivo de investigar crimes cometidos durante o conflito armado, além de garantir justiça e reparação. O partido de Uribe e Duque, Centro Democrático, foi um dos principais promotores da campanha contra as negociações de paz.
As eleições legislativas de abril deste ano formaram uma nova composição política para o próximo legislativo na Colômbia, embora ainda com uma maioria de partidos de direita. O campo progressista obteve seu melhor resultado da última década, com 19 senadores e 25 deputados.
Para as eleições presidenciais do dia 29 de maio, a coalizão de centro-esquerda Pacto Histórico, com Gustavo Petro e Francia Márquez, é favorita para vencer, com cerca de 47% da preferência nas pesquisas de opinião.
“Acredito que será um governo de transição, porque viemos de governos muito sangrentos, de gestões muito violentas. A não implementação dos acordos de paz deu brecha para mais violência no campo e agora isso se translada para as cidades”, conclui Pino.