Com baixa participação, Tunísia aprova referendo constitucional
Com participação de apenas 28% dos eleitores, a nova Carta Magna pode ser promulgada e gerar perseguição aos opositores
Três quartos dos eleitores registrados, ou sete milhões de tunisianos, deixaram de comparecer ao referendo constitucional promovido pelo presidente Kais Saied, que teve vitória pelo “Sim”. Com isso, a oposição que boicotou a votação afirma que a nova Carta Magna consolidará “o governo de um homem só” sem a legitimidade eleitoral.
Uma pesquisa de boca de urna da Sigma Conseil, uma empresa de pesquisa da Tunísia, disse que 92,3% dos eleitores apoiaram a nova Constituição. A baixa votação revela uma falta de legitimidade da nova legislação e do governo. Apenas 7,7% votaram “Não”.
A opção pelo boicote revela a dificuldade e fragmentação da oposição para convencer a maioria dos tunisianos a votarem contra o novo texto. No entanto, estes 72% que não votaram podem se tornar uma força política para a oposição, caso Saied frustre as expectativas da população. Resta saber se os opositores serão capazes de enfrentar o novo presidente e provar que toda essa gente boicotou ativamente seu referendo.
Algumas centenas de pessoas lotaram os degraus do Teatro Municipal de Túnis para cantar e entoar slogans populares enquanto carros circulavam a Avenida Habib Bourguiba, que viu o capítulo final da revolta de 2011 que derrubou o presidente autoritário Zine El Abidine Ben Ali e deu início ao Primavera Árabe.
Algumas horas depois, eles se juntaram ao próprio Saied, que fez discursos e respondeu a perguntas da imprensa local e internacional.
Wikicommons
Baixa votação revela uma baixa legitimidade da nova legislação e do governo
Saied dirigiu-se a seus apoiadores no centro de Túnis nas primeiras horas da manhã desta terça-feira (26/07) após uma caminhada, referindo-se ao dia do referendo como “um momento histórico”.
Os partidários de Saied esperam mudanças radicais, se não soluções milagrosas, para o conflito econômico que alimentou manifestações e greves na Tunísia.
A oposição lutou para se unir antes da votação e realizou protestos anti-referendo pequenos e separados.
Perseguição a oposição
Nenhum nível mínimo de participação foi definido para o referendo, então a Constituição, que mudará o país de sua atual democracia parlamentar híbrida para uma onde o presidente tem amplos poderes, será adotada.
Saied, que governa por decreto há um ano, já acumulou poder significativo, removendo o parlamento e demitindo dezenas de juízes.
Observadores internacionais dizem que a nova constituição arrisca favorecer sérios abusos de poder, e alertam que as mudanças prejudicam fundamentalmente os direitos humanos e o estado de direito. Tanto o parlamento, quanto o judiciário, ficam subordinados automaticamente a Saied, que só permite aqueles que o apoiam nestas instâncias. Assim, eles deixam de cumprir seu papel fiscalizador e de controle do poder executivo.
A oposição agora teme que a violência contra manifestantes anti-referendo antes da votação e processos judiciais contra figuras da oposição, como o líder do Ennahdha, Rachid Ghannouchi, sejam um sinal do que está por vir.
