Três quartos dos eleitores registrados, ou sete milhões de tunisianos, deixaram de comparecer ao referendo constitucional promovido pelo presidente Kais Saied, que teve vitória pelo “Sim”. Com isso, a oposição que boicotou a votação afirma que a nova Carta Magna consolidará “o governo de um homem só” sem a legitimidade eleitoral.
Uma pesquisa de boca de urna da Sigma Conseil, uma empresa de pesquisa da Tunísia, disse que 92,3% dos eleitores apoiaram a nova Constituição. A baixa votação revela uma falta de legitimidade da nova legislação e do governo. Apenas 7,7% votaram “Não”.
A opção pelo boicote revela a dificuldade e fragmentação da oposição para convencer a maioria dos tunisianos a votarem contra o novo texto. No entanto, estes 72% que não votaram podem se tornar uma força política para a oposição, caso Saied frustre as expectativas da população. Resta saber se os opositores serão capazes de enfrentar o novo presidente e provar que toda essa gente boicotou ativamente seu referendo.
Algumas centenas de pessoas lotaram os degraus do Teatro Municipal de Túnis para cantar e entoar slogans populares enquanto carros circulavam a Avenida Habib Bourguiba, que viu o capítulo final da revolta de 2011 que derrubou o presidente autoritário Zine El Abidine Ben Ali e deu início ao Primavera Árabe.
Algumas horas depois, eles se juntaram ao próprio Saied, que fez discursos e respondeu a perguntas da imprensa local e internacional.
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Baixa votação revela uma baixa legitimidade da nova legislação e do governo
Saied dirigiu-se a seus apoiadores no centro de Túnis nas primeiras horas da manhã desta terça-feira (26/07) após uma caminhada, referindo-se ao dia do referendo como “um momento histórico”.
Os partidários de Saied esperam mudanças radicais, se não soluções milagrosas, para o conflito econômico que alimentou manifestações e greves na Tunísia.
A oposição lutou para se unir antes da votação e realizou protestos anti-referendo pequenos e separados.
Perseguição a oposição
Nenhum nível mínimo de participação foi definido para o referendo, então a Constituição, que mudará o país de sua atual democracia parlamentar híbrida para uma onde o presidente tem amplos poderes, será adotada.
Saied, que governa por decreto há um ano, já acumulou poder significativo, removendo o parlamento e demitindo dezenas de juízes.
Observadores internacionais dizem que a nova constituição arrisca favorecer sérios abusos de poder, e alertam que as mudanças prejudicam fundamentalmente os direitos humanos e o estado de direito. Tanto o parlamento, quanto o judiciário, ficam subordinados automaticamente a Saied, que só permite aqueles que o apoiam nestas instâncias. Assim, eles deixam de cumprir seu papel fiscalizador e de controle do poder executivo.
A oposição agora teme que a violência contra manifestantes anti-referendo antes da votação e processos judiciais contra figuras da oposição, como o líder do Ennahdha, Rachid Ghannouchi, sejam um sinal do que está por vir.