“Chávez não sou eu, Chávez é um povo”, costumava repetir o presidente, falecido nesta semana após longa batalha contra o câncer. O que era uma frase, complementada depois por seus simpatizantes pelo slogan “Chávez somos nós”, se tornou realidade nas ruas de Caracas desde a terça-feira (05/03), quando foi anunciada a morte do líder venezuelano. Nos arredores da Academia Militar, onde está sendo velado o corpo de Chávez, um aluvião de gente, bastante emocionada, dá seu adeus ao “avô, pai, irmão”, como afirmam aqueles que esperam por mais de 10 horas na fila sob o sol escaldante de Caracas.
“Com Chávez e Maduro, o povo está seguro” é o novo ditado, repetido à exaustão pelos venezuelanos que seguiram até o Paseo de Los Próceres vindos das mais diversas partes do país. O agora presidente interino, Nicolás Maduro, foi indicado como candidato do chavismo em caso de nova eleição pelo presidente antes da partida para Havana, em 8 de dezembro do ano passado.
“As pessoas atendem ao seu chamado [de Chávez]. Sobretudo à ordem sobre Nicolás Maduro”, afirma o militar aposentado Alipio Paredes, de 86 anos. Bastante emocionado, ele confessa estar impressionado com a quantidade de gente que foi se despedir de Chávez. “É bonito ver como as pessoas respondem a um homem que desapareceu. Há uma herança muito bela.”
E, em meio à expectativa pelo pleito, que deve ser realizado em breve, os venezuelanos se dedicam a preparar uma homenagem inesquecível a Chávez. Nas filas, que culminam no caixão do presidente falecido, jovens, crianças, idosos e cadeirantes se espremem, sem sombra ou descanso.
“Se estou cansada? Muito pelo contrário. Sinto-me viva, com alegria. Não temos mais o presidente fisicamente, mas sim sua força, sua luta, sua história. Mesmo se eu passar um mês nessa fila, o sacrifício não chegará nem perto do dele por nós. Chávez é um sentimento”, diz a aposentada Maria Flores, de 56 anos, enquanto abre um sorriso.
Apesar das lágrimas, a maioria daqueles que esperam enfileirados transparece o mesmo estado de espírito de Maria. Por diversas vezes gargalham, gritam e cantam. Ao longo do extenso percurso até o edifício onde está sendo realizada a cerimônia fúnebre, caixas de som reproduzem músicas da campanha para as presidenciais de outubro de 2012, além de composições do já falecido artista venezuelano Ali Primera, bastante celebrado por Chávez e pelo resto do país por ter escrito nos anos 1970 e 1980 canções com forte conteúdo social e político.
“Canta, canta companheiro”, cantam a primeira estrofe de “Los que Mueren por la Vida”, de Primera, os seguidores do presidente enquanto enxugam o suor e as lágrimas. Alguns metros à frente, Mariela Gomes, de 62 anos, olha para o céu enquanto se despede do líder venezuelano. “Um presidente como você nunca mais existirá. Chávez, te tenho no coração. Você não morreu. Você está conosco. Seu espírito será elevado ao céu, Chávez”, grita, com as mãos para cima.
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A multidão se aglutina próximo à Universidade da Polícia Bolivariana, localizada no mesmo Paseo de los Próceres. Ali, a confusão cresce com a proximidade do edifício onde está o presidente. “Queremos ver Chávez! Queremos ver Chávez”, exclamam com os punhos para o alto, preocupadas com a possibilidade de não o verem, apesar de terem chegado tão longe.
“Há muita desorganização, ninguém aqui sabe se realmente vai chegar até a academia. Mas também, essa desordem, essa comoção toda, eram esperados. Morreu Chávez, carajo”, desabafa Miguel Rodríguez, de 26 anos, professor do ensino primário. “Vim dar meu adeus, mas também lhe jurar que seguirei semeando o que ele plantou na Venezuela. Chávez pariu outra pátria”, fala, parafraseando outra canção de Primera, “La Patria es el Hombre”.
Milhares se juntam aos já milhões que esperam sua vez de se despedir. Aqueles que já conseguiram ver o rosto do presidente, contam aos compatriotas, em êxtase, que Chávez “está bonito, do mesmo jeito em que apareceu na foto com as duas filhas mais velhas”. Outros relatam um ar de serenidade, calma, no semblante do líder da Revolução Bolivariana. “Seu corpo está lá, mas nós seguimos aqui. Chávez se multiplicou, minha filha”, afirma às lágrimas Manuela Bastos, de 90 anos, enquanto é empurrada na cadeira de rodas pelo esposo, Jorge, de 92.