A política econômica da Argentina, capitaneada pelo ministro da Economia, Sergio Massa, recebeu o aval do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do governo dos Estados Unidos após o novo ministro visitar os Estados Unidos. Massa desembarcou em Washington no dia 5 de setembro, segunda-feira, e retornou à Argentina na última terça-feira (13/09), em sua primeira viagem internacional como ministro. Foi em busca de soluções para a macroeconomia da Argentina, cuja inflação em 2022 deve ficar entre 90% e 100%.
Nesse contexto, em apenas uma semana, o ministro – que possui boas relações com o establishment norte-americano – firmou investimentos para o país com diversas multinacionais e destravou US$ 3 bilhões em créditos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e US$ 900 milhões com o Banco Mundial. Uma missão desafiadora já que a Argentina deve US$ 45 bilhões para o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Tudo indica que a segunda revisão trimestral das contas argentinas, prevista no acordo com o FMI, será aprovada, conforme indicou a própria diretora-gerente do organismo, Kristalina Georgieva, após o encontro com o ministro argentino. A aprovação habilita o segundo desembolso previsto no acordo, para quitar o vencimento de uma parcela da dívida contraída pelo ex-presidente Mauricio Macri (Proposta Republicana – PRO), em 2018.
As notícias se somam a uma série de medidas sugestivas da Argentina para o FMI. Um dia antes de desembarcar em solo estadunidense, Massa anunciou o Programa de Incremento Exportador. Conhecido vulgarmente como “dólar soja”, o câmbio mais vantajoso especificamente para o setor sojeiro impulsionou as exportações dos grãos guardados por produtores que especulavam com a desvalorização do peso.
O programa resultou em um aumento de 80% das exportações de soja na primeira semana de setembro. A medida foi vista como um benefício para um dos setores que pressionam a inflação no país, mas também um dos maiores produtores de divisas para a Argentina.
O governo também pôs em ação a segmentação tarifária, um plano gradual de redução dos subsídios dos serviços de energia e água. O governo estima economizar, assim, US$ 500 bilhões.
Em um gesto pouco comum, Massa foi recebido pela secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen.
“Não é usual que a ministra da Economia dos EUA receba a alguém no Tesouro, com uma fotografia difundida quase como um aval explícito de confiança no rumo econômico”, destaca o sociólogo e economista Julio Gambina, presidente da Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas.
Investimento em energia e alimentos
Em plena crise energética e inflacionária mundial no contexto da guerra na Ucrânia, a Argentina busca posicionar-se como um potencial produtor e exportador de energia. Suas reservas de lítio, petróleo e gás não convencial, na área de Vaca Muerta, entram nesse plano.
Nesse sentido, Massa reuniu-se com diversos representantes de multinacionais em busca de investidores para a extração de matérias-primas e produção de energia. Entre as reuniões neste ramo, Massa e sua equipe travaram diálogo com a Livent, empresa de tecnologia de lítio; com a multinacional de petróleo e gás Exxon Mobil; BPX Energy, multinacional de óleo e gás; e com a mineradora Rio Tinto.
O diálogo com esta última empresa foi um ponto destacado pela economista Florencia Di Prinzio, do Centro de Economia Política Argentina (Cepa), em entrevista ao Brasil de Fato, ressaltando que esses investimentos visam uma estratégia a longo prazo.
“Com a mineradora Rio Tinto, foi acordado um investimento de US$ 190 bilhões para um projeto de extração de lítio na província de Salta”, pontua Di Prinzio. “Esse investimento prevê 3 mil toneladas do insumo carbonato de lítio em um ano, inicialmente, o que deve ir aumentando. Para a Argentina, um dos países com maiores reservatórios do mundo, o lítio é um investimento estratégico para gerar exportações sustentadas no tempo.”
Twitter/Sergio Massa
Massa foi recebido pela secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen
Outro campo de aposta foi o da alimentação. A equipe econômica argentina firmou acordos neste setor, como foi o caso da empresa Lamb Weston Holding, produtora de batatas congeladas nos EUA. O ministro Sergio Massa anunciou o investimento de US$ 250 milhões de dólares da empresa na Argentina, para instalar uma planta de produção na cidade de Mar del Plata.
“90% da produção estará destinada ao mercado internacional, projetando para 2029 a saída anual de mais de 4.500 contêineres do porto da cidade”, anunciou Massa em sua rede social. “Este é o caminho que queremos potenciar, a venda de trabalho argentino ao mundo.”
Para Julio Gambina, isso marca o caminho que o governo escolheu para atravessar a crise herdada de Macri. “Massa foi aos EUA restabelecer a confiança de que a Argentina está disposta a cumprir o acordo com o FMI e consolida um rumo de economia de primarização”, opina.
Dívida externa
Os créditos captados por Massa com o BM e o BID irão fortalecer as reservas do Banco Central argentino, um dos pontos críticos neste momento de crise econômica do país. Diferentemente do empréstimo e do pacto firmado com o FMI, os créditos com estas instituições são destinados a investimentos estratégicos, como destaca a economista Florencia Di Prinzio, do Centro de Economia Política Argentina (Cepa).
“São créditos que não te atam a uma meta que limite suas ferramentas de política econômica. O mais terrível dos créditos com o FMI não é o valor que temos que devolver – ainda que muito alto –, mas as metas fiscais e monetárias que nos condicionam em todos os âmbitos. Temos que cuidar das reservas que temos, diminuindo o déficit”, afirma.
No caso do crédito obtido com o BID, ele poderá ser usado não apenas para saúde e educação, mas também para incrementar as reservas. “É algo bastante inédito na Argentina”, afirma Di Prinzio.
Pavimentado o caminho para alcançar as metas do acordo com o FMI, que prevê 2,5% de déficit fiscal para este ano, os próximos passos de Massa se voltarão ao Orçamento 2023. No próximo ano, Argentina realizará eleições presidenciais e também precisará firmar um novo plano para pagar US$ 2 bilhões ao Clube de Paris.
Esta reta final do ano será chave para o governo da coalizão Frente de Todos (FdT). Visando a eleição presidencial, o desafio para o governo peronista será evitar um ajuste fiscal em pleno ano eleitoral. Os cortes de gastos anunciados há algumas semanas somam 128 bilhões de pesos, anunciados como reordenamento de orçamentos não executados neste ano. Setores populares apontam que o governo faz cortes orçamentários sem assumir que o faz, o que já levou a rupturas no bloco do FdT na Câmara dos Deputados.
Além disso, e conforme denunciam os próprios setores populares, a gestão econômica se centra no pagamento ao FMI em detrimento das necessidades imediatas da população. Nesse sentido, o próprio acordo firmado com o FMI é apontado como inflacionário, algo que Gambina destaca.
“O acordo é um grande condicionante da política econômica argentina e privilegia os recursos fiscais para resolver as demandas dos credores externos, postergando as demandas sociais e econômicas dos setores trabalhadores”, afirma.
“Foi consolidado um rumo estratégico para o modelo produtivo de desenvolvimento e inserção da Argentina no sistema mundial como fornecedor de bens comuns, de matérias-primas”, continua Gambina. “Os investimentos captados por Massa vão representar melhorias nas contas macroeconômicas, cumprindo com o FMI, mas sobre a base de uma inflação acompanhada de um forte ajuste fiscal e, portanto, da piora dos indicadores socioeconômicos da Argentina.”
Apesar da calma nos mercados e do controle da alta do dólar paralelo, os índices de inflação mensais não desceram da marca entre 6 e 7%, marca inaugurada em julho, com a saída de Martín Guzmán da pasta da Economia. Dados do Instituto de Estatística e Censos (Indec) divulgados nesta quarta-feira (14) mostram que a variação mensal da inflação argentina foi de 7% em agosto. Nos oito meses de 2022, o acúmulo inflacionário alcança a marca de 56,4%.