A independência do Brasil, proclamada por Dom Pedro I no dia 7 de setembro de 1822, marcou o processo histórico de separação entre o Brasil e Portugal, atendendo às preocupações e interesses de elites do Rio de Janeiro, de São Paulo e do sul de Minas Gerais, que não queriam mais fazer parte do arranjo entre metrópole e colônia.
As elites, principalmente da região Sudeste do país, passaram a desejar que o Brasil desenvolvesse um mercado interno próprio logo após a volta de Dom João VI para Portugal em abril de 1821. A partir daí, começam a apoiar atores políticos como Maria Leopoldina e o estadista José Bonifácio, que ficou conhecido como Patriarca da Independência.
O processo de independência, no entanto, não significou uma ruptura definitiva com Portugal, nem uma unanimidade entre o povo brasileiro. Foi lento, uma vez que demorou para que a proclamação fosse reconhecida, assim como demorou para que um valor de indenização ao colonizador fosse estabelecido e a identidade nacional passasse a ser construída.
O historiador Marcos Horácio Gomes Dias, professor da UNIFAI, explica, em entrevista a Opera Mundi, que o processo da independência brasileira “muitas vezes não é retratado da forma certa pela História”:
“Não houve apenas um grito bonito de independência ou morte e as coisas praticamente se resolveram. No mínimo, houve uma mediação forte da Inglaterra para que Portugal reconhecesse a independência do Brasil”, afirma.
A partir de 1822, o Brasil adota um novo discurso, que nega a América Latina e o republicanismo. Ele passa a ser propagado pela produção intelectual do Império.
“O que diz a produção acadêmica, historiográfica e geográfica brasileira daquela época? Enquanto o resto da América Latina está adotando um modismo barato, que é o republicanismo, um modelo muito norte-americano, o Brasil está mantendo o último laço de civilização europeu na América, que é a manutenção da monarquia”, explica Gomes Dias.
Enquanto isso, o continente latino americano olhava para o Brasil com duplo sentido:
“Grande parte da intelectualidade e dos governantes da América Latina passou a enxergar o Brasil como atrasado por manter uma monarquia, coisa que a Revolução Francesa já tinha questionado e mudado. As monarquias passam a ser vistas por eles como decadentes”, diz.
O historiador menciona que, embora países latino-americanos tenham tentado projetos monárquicos, eles não obtiveram sucesso.
“O México é um deles. Na Argentina houve parte da população pedindo por uma monarquia. Na época, alguns países tentaram brincar disso, mas a América Latina, no geral, não consegue”, afirma.
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Processo da independência brasileira “muitas vezes não é retratado da forma certa pela História”, diz historiador
Para a Europa, o Brasil era algo exótico, uma monarquia dentro dos trópicos. As monarquias europeias queriam aumentar as suas zonas de influência no continente americano como um todo e buscaram acertar casamentos, como foi o caso da monarquia austríaca, que trouxe Maria Leopoldina, uma arquiduquesa, para se casar com Dom Pedro I.
Os Estados Unidos também enxergam o Brasil como diferente, mas com um olhar mais crítico que o europeu. Gomes Dias justifica: “As bandeiras deles são a Democracia e a República, então eles são avessos a esse tipo de governo que havia no Brasil”.
A Inglaterra, que havia encontrado dentro do Brasil um novo mercado consumidor, enxergava mais vantagem em negociar diretamente com cada país. As compras e vendas, na visão inglesa, se tornariam mais difíceis caso o Brasil não fosse independente, já que as suas negociações seriam apenas com Portugal.
Gomes Dias destaca que “a intermediação da Inglaterra nessa relação começou a partir de 1808, quando os próprios ingleses trouxeram a família real pro Brasil, para evitar que Napoleão Bonaparte tivesse acesso a este mercado”.
O historiador lembra que a vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1808 foi uma reação imediata à chegada de Napoleão a Portugal, em uma tentativa de evitar as transformações que eram implementadas na Europa.
“Também foram reconfiguradas as monarquias tradicionais. Com a Revolução Francesa passa-se a acreditar que o país pertence ao povo, e não ao monarca”, afirma.
A interferência inglesa estava presente desde este primeiro momento da corte portuguesa dentro do Brasil, e permaneceu até a Proclamação da República.
Gomes Dias explica que a Inglaterra também influenciou processos ligados à diplomacia, economia e política interna, como foi o caso do fim da escravidão, e, antes disso, com a “lei para inglês ver”, que declarava livres os africanos desembarcados em portos brasileiros após 1831.
Portugal entra em um processo de decadência desde a vinda da família real para o Brasil, em 1808. Dom João XI não queria voltar, mas em 1821, ele retorna, por conta da pressão da política portuguesa.
“O discurso oficial português destaca o quanto Portugal se mantém com as colônias da África e da Ásia, mas quem criava lucro, como colônia, para o país, era o Brasil. Então, a história do século XIX em Portugal é a de um país que está buscando o seu rumo”, afirma Gomes Dias.
O historiador também afirma que “trata-se de um país que ficou vivendo de um passado que enxerga como glorioso: o do período dos descobrimentos, mas que tem que se haver com o presente, onde não se desenvolveu tanto quanto a França e a Inglaterra”.
Ele destaca que, embora Portugal e Espanha tenham sido potências durante as Grandes Navegações, o presente do país, na época, “criou um período de muita angústia”. Desde então, Portugal começa a ser enxergado como um país de menos importância dentro do contexto europeu e latino-americano.