Em protesto contra o valor do imposto cobrado pelo ingresso do teatro na Espanha, a companhia de arte Primas de Riesgo está se transformando numa distribuidora de materiais pornográficos. Com essa iniciativa, o grupo, que existe há dois anos e é formado principalmente por mulheres, além de pagar menos impostos, busca a promoção do debate em relação ao IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) dos dois produtos: cultura (21%) e revistas pornôs (4%).
“Quando descobrimos que o IVA de uma revista pornô era muito menor do que o de uma entrada para teatro, nós sabíamos o que os profissionais da cultura pensavam, porém sentíamos uma grande curiosidade por saber o que pensava o público”, explicou a diretora da companhia, Karina Garantivá, a Opera Mundi, sobre o que motivou a campanha “RevistasPorno4%Calderon21%”.
Segundo Karina, a ideia é que as novas revistas do grupo, que custam 16 euros [49,60 reais], funcionem como as entradas da peça “El Mágico Prodigioso”, de Calderón de la Barca, que será encenado no dia 25 de novembro no Nuevo Teatro Alcalá, em Madri. Este método experimental será limitado a 300 pessoas.
Marcelo Montanini/Opera Mundi
Encenação da peça “El Mágico Prodigioso”, que poderá ser vista por compradores de revista pornô na Espanha
A diretora da companhia disse que pessoas que adquirirem as revistas vão ter que se identificar e assinar um documento declarando doação para uma campanha. Os resultados vão ser utilizados em um estudo sociológico para determinar como é possível que, numa sociedade como a espanhola do século XXI, uma revista pornô tenha um IVA mais baixo do que uma peça de Calderón. “Não queremos que seja um mero intercâmbio comercial”, salientou.
“Estamos recebendo inúmeras mensagens de apoio, inclusive de outros países, porém também temos recebido reações contrárias na Espanha, porque há quem pense que cultura não é necessário, que é um artigo de luxo reservado para os que possam pagar. Todas essas reações constarão no estudo sociológico, para o qual investiremos parte dos fundos obtidos na campanha”, afirmou Karina a Opera Mundi, antecipando que as vendas estão boas. “Todos os dias recebemos solicitações de revistas, muitas pessoas querem se somar à iniciativa e desfrutar das revistas”.
NULL
NULL
O processo de conversão do estatuto e do capital social da empresa foi iniciado no último dia 30 de outubro e deve durar 40 dias. Contudo, Karina explica que a campanha tem um prazo. “Se o IVA da cultura na Espanha se reduzir, interromperemos a conversão da companhia em distribuidoras de revistas pornôs”, ponderou. Caso contrário, “a empresa será a primeira distribuidora de revistas pornôs que presenteia com entradas para teatro”.
Marcelo Montanini/Opera Mundi
De acordo com o artigo 91 do Manual Pratico IVA 2013, da Agência Tributária do Ministério da Fazenda e Administrações Públicas, terão o imposto de 4% “os livros, jornais ou revistas que não contenham única ou fundamentalmente a publicidade, assim como os elementos complementares que se entreguem conjuntamente com estes produtos mediante a preço único”. No caso, o ingresso.
Em setembro de 2012, quando o governo espanhol aumentou o valor do IVA da cultura de 8% para 21%, o Teatro Bescanó, em Girona, na Catalunha, vendeu cenouras em vez de ingressos para burlar o IVA, que também é de 4% para verduras e legumes. O procedimento foi o mesmo: o público pagou 15 euros [46,50 reais] pela cenoura e recebeu uma entrada gratuita para a peça Suïcides, de Llàtzer García, encenado pela companhia PocaCosa.
Outro lado
O governo espanhol anunciou, no início do ano, que deveria baixar o imposto de 21% para 10%. Entretanto, essa redução afetaria apenas pintores, fotógrafos, performances, galeristas, revendedores e artesãos. Cinema, teatro, música e dança não receberiam o benefício.
A reportagem de Opera Mundi contatou o Ministério da Fazenda e Administrações Públicas da Espanha para comentar o assunto, mas até a publicação desta matéria não obteve retorno.