A visita do papa Francisco ao Brasil para participar da JMJ (Jornada Mundial da Juventude), que se inicia nesta terça-feira (23/07), gerou frenesi entre os católicos, mas também foi motivo de protestos no Rio de Janeiro, cidade onde ele se encontra. Os manifestantes se posicionaram, principalmente, contra os gastos públicos para receber o pontífice.
De certo modo, os protestos simultâneos à visita do papa são uma continuação do movimento em junho, que começou com o aumento das passagens de ônibus e de metrô em diversas capitais brasileiras e se expandiu até mesmo para outros continentes, como a África e a Europa. Brasileiros residentes na Rússia, na África do Sul, na Inglaterra e na França também se mobilizaram para protestar, tendo como bandeiras o fim da, dosgastos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas e contra um suposto descaso do governo, entre outras demandas.
O perfil do manifestante “padrão” visto nas ruas brasileiras se repetiu nos outros países. Como no Brasil, a maioria que saiu de casa para protestar na Europa e na África era jovem, geralmente estudante universitário, sem ligação com partidos políticos ou outras organizações e usuário de redes sociais, por onde os atos foram organizados e os participantes, convocados.
Até mesmo a “confusão ideológica” pela qual passaram os protestos no Brasil ocorreu em alguns outros países. Os correspondentes de Opera Mundi relatam a situação em outras partes do mundo.
África do Sul
A correspondente Polyanna Rocha, que reside na Cidade do Cabo, descreve que “cerca de 40 brasileiros se reuniram na avenida mais movimentada do bairro de Sea Point, para apoiar as manifestações no Brasil”. Eles estavam “em sintonia com as reivindicações” e protestaram contra corrupção, PEC 37 e estádios superfaturados, além de pedirem melhores condições de segurança, educação e saúde.
Polyanna Rocha/Opera Mundi
De acordo com Lucas Lobue, brasileiro que mora há quase dois anos na Cidade do Cabo e organizador do movimento, a iniciativa pacífica, no dia 23 de junho, não estava associada a nenhum partido político, nem tinha ligação com ONGs. “Os partidos brasileiros hoje não representam a população de forma desejada, seja de direita ou esquerda, e são máquinas de corrupção, por isso, a sociedade precisa se organizar nos protestos para atingir resultados”, explicou Lobue.
Segundo Polyanna, os manifestantes da Cidade do Cabo carregaram cartazes onde se podia ler frases como “Eu vivo fora do Brasil, mas o Brasil vive em mim”, “CPI dos transportes já”, “Fora Renan”, “Não contavam com a nossa astúcia” e “Político ladrão é na cadeia”. Pessoas como Carolina Werner, que vive na África do Sul há nove anos, afirmaram estar “orgulhosos de ver os brasileiros acordando e reivindicando tudo a que têm direito, como saúde, educação, transporte de qualidade”.
Polyanna também citou o apoio dos sul-africanos aos manifestantes brasileiros, que se posicionaram contra os gastos excessivos da Copa do Mundo, cuja última edição se realizou na África do Sul. “‘Admiro vocês, brasileiros. Nós deveríamos ter feito isso que vocês estão fazendo antes do mundial acontecer aqui’, disse um sul-africano que passava pelo grupo”, escreveu a jornalista.
França
Amanda Lourenço, correspondente em Paris, destacou a confusão de ideologias que marcou os protestos em território francês. “Se por um lado o movimento original de esquerda no Brasil começou a se perder na multidão, por outro ficava cada vez mais clara a apropriação da revolta popular pela direita. A desconfiança cresceu, atravessou o oceano e chegou até Paris, onde os organizadores resolveram cancelar a manifestação apenas algumas horas antes de seu início”, contou.
Alguns brasileiros residentes no país ficaram revoltados com o cancelamento das manifestações, sendo que uma parte deles tinha até se deslocado de cidade para participar. Virgínia Ferreira, uma das organizadoras que votou a favor do cancelamento justificou: “O problema é que no Brasil as coisas estavam acontecendo muito rápido, a cada dia muda muito o cenário. E a nossa manifestação que apoiava as movimentações do Brasil perdeu o sentido com os dias, já que as próprias atitudes dos manifestantes mudaram.”
Amanda Lourenço/Opera Mundi
Mesmo assim, centenas de brasileiros se reuniram no local previamente combinado e a manifestação ocorreu do mesmo jeito, embora com número menor de participantes. “Os cartazes eram desencontrados e protestavam contra um pouco de tudo. Corrupção, Feliciano, Copa do Mundo, violência policial, palavras de apoio à luta brasileira, o pacote completo”, segundo Amanda.
Ela falou ainda de protestos em Lyon, a segunda maior cidade da França, que foram igualmente marcados por divergências ideológicas e em que “a organização era abertamente de esquerda e evitou demonstrações nacionalistas como o hino nacional, símbolo usado tradicionalmente pela direita, apesar de uma parte do grupo querer cantá-lo”. Entretanto, houve uma ruptura na manifestação quando algumas pessoas começaram a gritar contra a presidente Dilma e o PT.
“Depois dos desentendimentos nos bastidores da organização dos protestos na França, ninguém ainda se aventurou em uma segunda tentativa. O movimento foi perdendo a força, mas como ele é um reflexo do que acontece no Brasil, tudo depende do rumo que os manifestantes nas cidades brasileiras vão tomar”, sintetizou.
NULL
NULL
Rússia
“Na Rússia, os protestos tiveram lugar na cidade universitária de Kursk, a 520km de Moscou. Algumas dezenas de estudantes brasileiros se manifestaram nas redondezas da universidade estatal, com autorização da instituição, com faixas e cartazes em russo, português e inglês”, escreveu o correspondente Sandro Fernandes, de Moscou.
Sandro explicou que um dos organizadores das manifestações era Diego Costa, estudante de Medicina, que acha que “o povo brasileiro percebeu que a voz do povo é a voz de Deus” e que o aumento das passagens foi apenas o estopim para algo muito maior.
O correspondente escreveu que “havia no protesto cartazes sobre a tarifa do transporte público, mas Diego diz que o ato tomou uma dimensão mundial e representa muito mais que isso (o valor das passagens). “O gigante acordou para mostrar ao mundo que o Brasil não é só futebol, carnaval e samba. Isso vai mudar. O mundo inteiro está vendo e vai ver ainda mais. Isso é só o começo”, conclui Diego.
Sobre Moscou, Sandro contou que a manifestação foi cancelada por falta de contingente e de coerência ideológica. “Segundo Michel Costa, um dos brasileiros que estava organizando o protesto na capital russa, eles desistiram devido à quantidade de informações contraditórias que estavam chegando pelas redes sociais. ‘Era difícil se posicionar porque não entendíamos quem estava organizando os protestos e como eles seriam utilizados posteriormente’”, escreveu.
Inglaterra
Para explicar como foram os protestos na capital inglesa, Mauricio Savarese escreveu que “se tivessem comparecido os 8000 brasileiros que prometeram estar no protesto de 18 de junho em Londres, seria um grupo digno de parar a Avenida Paulista. Mas o Facebook ficou longe da vida real: os bravos manifestantes diante do Parlamento britânico não passaram de 1000”.
O ato londrino foi organizado pelo estudante de engenharia Maurício Azevedo, de 20 anos. “Sua motivação: ‘A gente precisava fazer alguma coisa depois daquela violência da polícia’. Já os motivos são mais fartos: ‘A roubalheira era notória, a PEC 37 ia aumentar o roubo, tem o estatuto do nascituro, tem o preço das passagens, os gastos com a Copa. Estava na hora. Todos tinham ao menos uma dessas pautas’. Inicialmente o protesto seria na praça Trafalgar, a mais famosa da cidade. A polícia o transferiu para um cantinho diante do Parlamento”, contou Mauricio.
Ele destacou ainda a confusão de muitos ingleses com o que estava acontecendo. “‘Aquilo ali é festa?’, me perguntou um senhor. Diante dele, um grupo de formado principalmente por jovens estudantes vestidos em camisas da seleção brasileira cantava o hino nacional, sempre concluído com gritinhos felizes de ‘uuuuuhhhh’. ‘Mas aquele espaço é de protesto. O que estão fazendo ali?’, insiste o senhor, depois de eu explicar que não, não era festa”.
Os gritos mais ouvidos em Londres, segundo o correspondente, foram “sem violência”, “eu sou brasileiro com muito orgulho e muito amor” e “Brasil, vamos acordar. Um professor vale mais do que o Neymar”, semelhante ao que ocorreu no Brasil. Outra semelhança foi a expulsão de uma equipe da TV Globo que tentava fazer a cobertura do ato.
Maurício afirmou que “raros britânicos” entenderam o que estava ocorrendo, entre os quais o socialista Nick Chassick, que afirmou que as demandas eram “justas” e que a mobilização podia “trazer novas discussões interessantes”.
Quanto à polícia, cuja ação violenta no Brasil teria sido um dos motivos dos protestos em Londres, Mauricio escreveu que “nada sofreu com os manifestantes”. “Pelo contrário: tiraram fotos por horas, ganharam abraços e ao menos uma brasileira mais assanhada deu seu telefone a um oficial. Se no Brasil alguns chamaram os protestos de micareta punk, pela festa numa parte e a quebradeira na outra, o protesto londrino ficou só com a micareta”, relatou.