Contudo a situação ainda é confusa. O fracasso em torno da votação da moção de confiança no Senado na quarta-feira e a queda de Draghi ainda são recentes demais para previsões claras.
Até dentro dos partidos da coalizão que se abstiveram de apoiar o governo Draghi no Parlamento há movimentos dissidentes. Os ministros da Administração Pública, Renato Brunetta, e para o Sul e Coesão Territorial, Mara Carfagna, anunciaram que querem se distanciar do conservador Força Itália. Também no Parlamento, os primeiros deputados já mudaram de lado, frustrados com a situação.
As próximas eleições parlamentares estavam agendadas para o primeiro semestre de 2023. Mas, como tantas vezes no passado, os italianos terão novamente que ir mais cedo às urnas.
Draghi permanecerá interinamente até que o país tenha um novo primeiro-ministro. Só que ninguém sabe quando isso vai ocorrer. As negociações da coalizão podem se arrastar por um bom tempo, dependendo do resultado da eleição.
Especialistas estimam que um novo governo não será empossado antes de novembro: depois das eleições para o Parlamento de 2018, foram necessários 90 dias até que um novo governo assumisse.
Mais entraves a reformas
A campanha eleitoral que agora começou de fato provavelmente vai impor ainda mais dificuldades para o atual governo interino aprovar novas reformas no Parlamento. E elas são urgentemente necessárias: a Itália precisa de soluções na luta contra a inflação, a crise energética e os efeitos da seca. A UE também esperará ver progressos, antes de Roma poder acessar os bilhões de euros adicionais do fundo de resgate de Bruxelas.
“Acho que a Itália ainda precisa de Draghi”, disse o ministro do Exterior Luigi di Maio, ecoando não somente o que muitos de seus 60 milhões compatriotas pensam: mesmo no exterior, o premiê relativamente silencioso e eficiente conquistou grande respeito, onde governos anteriores passaram uma imagem bastante caótica.
O ex-chefe do Banco Central Europeu conseguiu colocar novamente nos trilhos o país altamente endividado, desde que assumiu o cargo em fevereiro de 2021. Ele garantiu à Itália acesso temporário ao fundo de ajuda da UE para reconstrução após a pandemia de coronavírus, algo que a coalizão anterior, sob Giuseppe Conte, não conseguira. Mas esse sucesso terá sido apenas uma etapa intermediária, se outros passos não forem dados em seguida.
Conte, então ainda sem partido, mais tarde tornou-se líder do populista de esquerda Movimento Cinco Estrelas (M5S), considerado o principal responsável pela atual crise política. Pois foi sua recusa de tomar parte no voto de confiança no Senado na semana anterior que levou Draghi a apresentar sua renúncia.
O presidente Mattarella rejeitou a renúncia, porém no mais tardar na quarta-feira veio a última gota, quando dois partidos da coalizão, Liga e Força Itália, se uniram ao Cinco Estrelas na recusa de apoiar Draghi, deixando-o sem alternativa a não ser renunciar novamente. Dessa vez, Mattarella também cedeu e decretou a dissolução das duas câmaras do Parlamento, abrindo caminho para eleições antecipadas.
GUGLIELMO MANGIAPANE/REUTERS
Salvini, Meloni e Berlusconi: sondagens indicam que trio de direita pode vir a formar o próximo governo italiano
Ultradireita promete apoio à Ucrânia
Preparando o terreno para uma possível vitória nas urnas, a líder do Irmãos da Itália, Giorgia Meloni, garantiu que, caso chegue ao poder, a Itália continuará enviando armas para Ucrânia e apoiando Kiev em sua guerra contra a Rússia. A sigla ultradireitista foi uma das poucas que apoiaram em bloco essa decisão de Draghi, apesar de se opor a seu governo.
“Sempre defendemos e apoiamos a causa ucraniana, não só porque acreditamos nela, mas também porque a Itália não pode correr o risco de ser o elo fraco da aliança ocidental”, disse Meloni à emissora estatal RAI nesta quinta-feira. O Ocidente “precisa saber que pode contar conosco”, acrescentou a admiradora de Mussolini, de 45 anos. “Eu não toleraria qualquer ambivalência neste ponto.”
Por outro lado, os dois principais aliados de Meloni, a Liga e o Força Itália, ambos na coalizão de Draghi, têm sido muito mais ambivalentes, refletindo seus laços históricos estreitos com o presidente russo, Vladimir Putin, de quem o líder do Força Itália, Silvio Berlusconi, é amigo íntimo. Por sua vez o líder da Liga, Matteo Salvini, elogiou o chefe do Kremlin em 2019 como “um dos melhores estadistas atualmente na Terra”.
Euroceticismo e conexões fascistas
Meloni, que trabalhou arduamente ao longo dos anos para construir um perfil como líder séria e popular, publicou em 2021 sua autobiografia intitulada Io sono Giorgia. Le mie radici, le mie idee (Sou Giorgia. Minhas raízes, minhas ideias), em que explica a importância da defesa da família, da pátria, da identidade religiosa e sexual. Ela conclui com estas palavras: “Sou Giorgia. Sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã. Isso não vão me tirar.”
Seu partido possui em seus quadros figuras com passado controvertido por conexões com o fascismo e o neofascismo, com várias delas fazendo a saudação fascista em encontros privados.
Uma vitória dos ultradireitistas para muitos observadores mudaria a face da Itália, pois colocaria em questão a posição do país em relação à União Europeia. Muitos defendem uma revisão dos tratados europeus e até sua substituição por uma “confederação de Estados soberanos”.
Contudo, o Irmãos da Itália é membro do grupo parlamentar Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), juntamente com os poloneses do Direito e Justiça (PiS) e os espanhóis do Vox, os quais, embora vistos com desconfiança, não são considerados párias pela atual Comissão Europeia.