Cuba aprovou o decreto nº35 e regulamentou as telecomunicações e crimes cibernéticos. Essa é a primeira lei aprovada na ilha relacionada a delitos cometidos na internet, que reconhece danos éticos e sociais da agressão digital.
O texto entrou em vigência há uma semana e já se tornou motivo de polêmica nas redes sociais e meios de comunicação tradicionais que o denunciam como “lei da mordaça”.
Isso porque a nova legislação tipifica a disseminação de notícias falsas com a intenção de subverter a ordem constitucional como um delito e busca promover “uma internet ética e boa para a população”. Dessa forma, o texto estabelece deveres e direitos, incluindo o acesso igualitário aos serviços públicos de internet e radiodifusão.
O texto estabelece o Serviço Universal de Telecomunicações (SUT), que compreende todo o sistema de telecomunicações, radiodifusão e internet do país, oferecido pelo Estado, através da Empresa de Telecomunicações de Cuba S.A (Etecsa). Os serviços privados só podem ser fornecidos com autorização do Ministério de Telecomunicações.
O regulamento de 129 artigos estabelece 17 delitos com níveis de periculosidade que vão de médio a muito alto, entre eles o ciberterrorismo. Também foi criado o Escritório de Segurança de Redes Informáticas (OSRI, na sigla em espanhol) para receber denúncias.
Por conta do bloqueio dos Estados Unidos, o Estado cubano não possui contratos diretos com as empresas que desenvolvem plataformas de redes sociais, tais como: Facebook, Twitter, ou ainda outras gigantes do mundo digital, como Google, Microsoft e Amazon. A nova lei autoriza legalmente a Etecsa a cortar a internet, aplicar multas, confiscar chips ou telefones de pessoas naturais ou jurídicas vinculadas a páginas que difundam notícias falsas.
De acordo com dados oficiais, somente em 2020, o bloqueio gerou um prejuízo estimado em US$ 65 milhões, cerca de R$ 340 milhões, na área de telecomunicações. O Estado cubano também não pode adquirir equipamentos com mais de 10% da sua composição fabricada nos EUA. Aplicativos, servidores e domínios de comércio internacional que se relacionem com instituições norte-americanas estão banidos pela Casa Branca.
O vice-ministro do Ministério das Comunicações, Ernesto Rodríguez Hernández, assegurou que as novas normas “promovem o avanço da informatização da sociedade, defendendo os direitos dos cidadãos consagrados na Constituição: igualdade, privacidade e sigilo das comunicações.”
A última seção da nova norma aborda a necessidade de aumentar os investimentos e infraestrutura na área para ampliar a informatização da sociedade cubana. De acordo a dados oficiais, 68% da população cubana acessa diariamente internet.
Wikimedia Commons
Cuba aprova lei contra crimes cibernéticos seguindo resolução de 2017 da ONU
“Se Cuba hoje tem acesso à internet e desfruta desse serviço não é graças aos Estados Unidos, mas apesar deles. O bloqueio continua sendo o principal obstáculo para o acesso livre e soberano à internet”, declarou Ismara Vargas Walter, diretora de Assuntos Legais do Ministério Relações Exteriores de Cuba.
Dupla moral
A lei foi aprovada pouco mais de um mês depois dos protestos de 11 de julho, consideradas as maiores manifestações opositoras desde 1994. A convocatória foi feita online e as palavras de ordem “SOS Cuba” e “Pátria e Vida” foram posicionadas nas redes sociais através de contas registradas no exterior.
Na época, o governo cubano afirmou ser vítima de ataques cibernéticos de computadores registrados nos Estados Unidos, França e Turquia.
No entanto, os governantes reiteram que o texto já estava em discussão desde abril deste ano, três meses antes das manifestações. Nesse período, congressistas cubano-estadunidenses do partido Republicano iniciaram uma campanha exigindo que a Casa Branca “levasse internet à Cuba”, através da Base Militar de Guantánamo — território ocupado por tropas norte-americanas na ilha.
O chanceler cubano, Bruno Rodríguez reiterou que qualquer tentativa dos Estados Unidos de invadir o território cubano com drones ou outro tipo de equipamento seria uma violação à soberania do país.
O texto, publicado no dia 17 de agosto, está em consonância com uma resolução aprovada pelo Escritório de Cibersegurança das Nações Unidas, em 2017, que incentiva os Estados-membros a “fomentar capacidade e conhecimento em tecnologia de informação e comunicação nos organismos nacionais para vigiar o conteúdo nas redes sociais relacionado ao terrorismo”.
Segundo levantamento da Interpol, os ataques cibernéticos aumentaram durante a pandemia. Somente durante os primeiros quatro meses de 2020, foram detectados 907 mil e-mails com vírus e 48 mil sites promotores de crimes digitais, usando informação falsa relacionada à covid-19.
Outros países como Estados Unidos, França e Alemanha possuem legislação que busca controlar o tráfego na internet, sob a justificativa de combater o terrorismo. No Reino Unido, cibercrimes podem ocasionar 14 anos de prisão até cadeia perpétua. No entanto, nenhum desses governos são acusados de tentar perseguir opositores.
As autoridades cubanas reiteram que a nova lei busca regulamentar todo o serviço, assegurando investigações sobre as denúncias que podem ser feitas por pessoas naturais ou jurídicas.
“Abre a possibilidade de notificações sobre incidentes, como ciberabuso, as notícias falsas, abusos pederastas ou outros problemas que a população pode notificar e será aberta uma investigação sobre essas atividades”, explicou o diretor cibersegurança Ministério das Comunicações, Pablo Domínguez Vázquez.