Abusos, punições arbitrárias e ausência de processo adequado ou auxílio legal são comuns nos centros de detenção de imigrantes ilegais nos EUA. Pelo menos é isso que vários detentos contaram ao Opera Mundi, revelando um panorama radicalmente diferente daquele oferecido pelas autoridades.
Lee Evans, um empresário britânico de 39 anos, foi detido por agentes da Vigilância de Imigração e Alfândega (ICE) em 2007, a caminho de uma reunião, depois que sua esposa norte-americana supostamente reclamou que o casamento fora fraudulento. Eles estavam separados na época.
“Basicamente, você é pego e retirado da sociedade. Você desaparece. Eu tinha um cachorro em casa, ele teria morrido se meu diretor financeiro não tivesse percebido o que acontecia”, contou Evans. Ele foi levado para o centro de detenção CPS de Florence, onde reclamou das más condições sanitárias. Então foi transferido para outro centro, administrado por uma empreiteira privada.
Evans conta que, na nova prisão, ficava trancado a maior parte do dia numa cela de 6 m x 3,5 m com outros 17 detentos e um vaso sanitário no canto. “Éramos tratados como animais. Eles nos colocavam com assassinos e estupradores. Brigas estouravam, gangues mexicanas brigavam com gangues guatemaltecas. Era bem duro”. Duas semanas depois, ele foi libertado após pagar fiança de 7,5 mil dólares, graças à ajuda de um advogado voluntário. Seu caso permanece aberto.
Um jovem centro-americano candidato a asilo que preferiu não ser identificado, por temer represálias, passou três anos em outra prisão de Florence administrada pelo xerife local. Ele afirma que pediu asilo político via correio expresso e recebeu uma confirmação da solicitação, mas as autoridades o prenderam por permanecer no país com o visto vencido.
“Eles (os agentes da ICE) disseram não ter encontrado nada em meu registro, me algemaram e me levaram ao CPS de Florence. Nunca me disseram que eu poderia ligar para meu consulado. Minha impressão era a de estar num mundo sem acesso ao mundo exterior”, contou o jovem. Alguns meses depois, ele foi transferido para outro centro de Florence, onde as condições de detenção pioraram. “Você nunca vê a luz do sol. Se você questiona qualquer coisa, eles o trancam em sua cela, é um inferno.” Ele foi libertado recentemente ao pagar fiança de 1,5 mil dólares, novamente com a ajuda de um advogado voluntário. Seu caso também continua aberto.
Refeição servida no centro de detenção
Maria Islas ficou presa 5 meses
Maria Islas, de 37 anos, com dez filhos e residente permanente nos EUA, foi presa por dirigir com a carteira suspensa e por não ter pago algumas multas de estacionamento. Confundida com uma imigrante ilegal, ela passou cinco meses num centro de Florence sob administração privada.
“Ninguém informou meus filhos e minha família. Era possível fazer chamadas a cobrar, mas o telefone de casa estava bloqueado (contra essas chamadas)”, disse ela, segurando o documento que confirma sua identidade. Islas lembrou de duas jovens irmãs equatorianas que foram capturadas no deserto, tentando entrar nos Estados Unidos, e passaram dois meses na cadeia sem poder contar à mãe que estavam bem. “A mãe estava convencida de que elas haviam morrido. Um telefonema faz uma diferença enorme”, disse ela.
Islas reclamou que, no centro de detenção, muitas vezes não tinha permissão para sair na hora da recreação, pois o local sofria de “falta de pessoal”. Ela acrescentou que os abusos verbais por parte dos guardas eram comuns. “Não podíamos receber visitas frente a frente nem passar algum tempo do lado de fora. Às vezes eu sentia que estava enlouquecendo. A menos que estivéssemos desmaiadas ou caídas no chão, sangrando ou com algum osso quebrado, o médico não vinha nos ver.”
A certa altura, afirmou ela, as poucas atividades na prisão, como as aulas de religião e inglês, foram canceladas porque a imprensa começou a reclamar que imigrantes ilegais estavam sendo misturadas com criminosas comuns. Islas foi finamente libertada quando as autoridades perceberam o engano, mas sua provação não acabou aí.
“'Vamos, vamos!', gritaram os guardas pouco antes de nos levar. Eles nos colocaram num ônibus e nos deixaram na rua às dez da noite sem dinheiro, sem nada, nem mesmo troco para fazer um telefonema”, contou ela. “Quando eles deportam as pessoas para o México, deixam-nas na fronteira sem nem sequer um cartão telefônico para ligar para os parentes. É incrível”, afirmou Islas, que agora planeja criar uma ONG para ajudar esses detentos.
Leia a primeira parte da reportagem especial:
Por dentro dos impenetráveis campos de detenção dos EUA
NULL
NULL
NULL