Se tomarmos como referência alguns dos filmes latino-americanos laureados em festivais de cinema e premiações de renome nos últimos anos, uma triste sensação vem à tona: não bastam prêmios para conseguir que essas obras sejam distribuídas nas salas brasileiras.
É o caso, por exemplo, do enaltecido “A teta assustada”, o segundo longa-metragem de Claudia Llosa, realizadora peruana radicada na Espanha, que deu um salto na carreira com esse filme, ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2009 e um dos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2010. No Brasil, o longa participou de poucos festivais (foi lançado no 20o Cine Ceará) e praticamente não passou por salas comerciais. Resultado? Um bom filme latino passou direto aos catálogos e à história sem que os espectadores sequer tomassem contato com ele.
“A vida dos peixes”, dirigido pelo chileno Matias Bize, corria o risco de seguir a mesma trajetória, mas foi resgatado a tempo. O filme estreou em uma vitrine prestigiosa (a 67a edição do Festival de Cinema de Veneza), foi selecionado por inúmeros outros festivais ao redor do mundo (aqui, a Mostra Latina do Festival do Rio o lançou em 2010) e ainda ganhou um Goya (o Oscar espanhol) por melhor produção ibero-americana em 2011.
Se for para esquecer um pouco os prêmios, assim como no caso do “A teta assustada”, essa também é uma história contada e filmada com graça e competência. Na linha minimalista típica de Bize, que ficou famoso pelo sucesso de seu segundo longa-metragem, “En la cama” (2004), o filme relata o reencontro de um casal em uma festa em que reúnem amigos de infância. Há força nos diálogos, tensão nos planos, que exploram com competência os espaços de uma única locação, e um sólido trabalho com atores.
Apesar de suas credenciais, “A vida dos peixes” demorou para aparecer no circuito comercial brasileiro. O surgimento de uma jovem distribuidora, a Esfera Filmes, possibilitou o lançamento no Brasil. O longa estreou antes em salas do Rio de Janeiro e nesta sexta-feira (27/07) entrou em cartaz em São Paulo, no CineSesc.
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“Apostamos em ‘A vida dos peixes’ porque é um filme chileno com um padrão de qualidade que o público brasileiro reconhece e que o aproxima do cinema argentino: uma história simples, com boa direção, bons atores e um cenário minimalista”, explica Ana Luiza Beraba, da Esfera. “Trata-se de uma história de amor não realizado: um tema universal tratado com sensibilidade”, acrescenta.
Gracias, Darín
Para Ana Luiza, o cinema latino-americano é visto pelo público brasileiro com outros olhos desde que o ator argentino Ricardo Darín começou a ser reconhecido nas nossas telas por filmes como “O filho da noiva”, “Nove rainhas”, “O segredo de seus olhos” e “Abutres” – todos distribuídos comercialmente no Brasil. “Pela primeira vez em muito tempo temos um ator que chama público. Cinema argentino se transformou em um gênero que agrada o público brasileiro: histórias mínimas, de gente comum, contadas com simplicidade e eficiência, com roteiros bem redondos”, explica.
A conquista é positiva e abre espaço para a formação de plateias, ainda que a passos lentos. Mas é claro que ainda há muito por conseguir. “Qualquer filme que saia dessa fórmula, mesmo argentinos, têm dificuldade de penetrar no Brasil”, completa.
Quantidade traz qualidade
Filmes que escapam da fórmula hollywoodiana e que tampouco se encaixam no circuito nacional de cinema de arte, que até nas praças de grandes centros culturais como Rio de Janeiro e São Paulo é bastante voltado ao cinema europeu, ainda tem espaço muito restrito no mercado brasileiro.
É por isso ainda mais louvável o esforço de distribuição de títulos latino-americanos. E o momento é favorável porque, como destaca Ana Luiza Beraba, da quantidade surge a qualidade. “É um processo parecido com o que passou o cinema nacional com a retomada. Houve um momento em que tínhamos que reconquistar público para nossos filmes. Para isso é importante mostrar. Só se mostrarmos produções latinas com frequência, poderemos fazer uma análise da qualidade e tirar nossas próprias conclusões sobre se esses filmes merecem ou não ser vistos”, conclui.