“O que não deixa a gente dormir, nossa maior preocupação, é a insegurança. Aqui, os garotos roubam a gente na rua, ou matam para roubar o pouco que temos. E os policiais são corruptos. Muitas vezes, encontramos alguns na delegacia abraçados a prostitutas às três da tarde”.
A senhora Amparo – que, como as outras pessoas citadas nesta reportagem, não quis revelar o nome completo – tem um olhar duro e triste. É uma guerra entre miseráveis esta que assombra diariamente os 2 milhões de habitantes da delegación (distrito) de Iztapalapa, ao leste da Cidade do México, um dos bairros mais populosos, violentos e pobres do Distrito Federal mexicano.
Toda manhã, Amparo desce de San Miguel Teotongo, um povoado na parte mais alta de Iztapalapa dominado pela violência, agarrada à terra árida da montanha. “De microônibus, podemos levar até duas horas para descer daqui, porque o transporte público não chega e os veículos ficam parados até meia hora até lotar. E, se alguém reclama, eles reagem com muita violência”, relata.
Como se não bastassem a miséria e o crime, Iztapalapa agora é refém de um bizarro impasse eleitoral. A ativista social Clara Brugada, que vive há mais de 20 anos nos conjuntos habitacionais altos do distrito, à frente dos movimentos civis, conquistou a candidatura do Partido da Revolução Democrática (PRD, esquerda) à administração distrital, superando em mais de 5 mil votos a pré-candidata rival Silvia Oliva. No entanto, no dia 12 de junho, apenas 23 dias antes da eleição e em meio a uma intensa polêmica, o tribunal eleitoral anulou a candidatura de Brugada e a concedeu a Oliva.
“Mas as cédulas de votação já haviam sido impressas e mostravam o nome de Clara Brugada como candidata”, conta o ex-deputado Tomas Pliego, do PRD. Quem interveio para tentar resolver o impasse, explica, foi a figura mais carismática da esquerda mexicana: Andrés Manuel López Obrador, que concorreu à presidência em 2006 e é considerado o presidente legítimo por seus aliados, porque teria sido vítima de uma fraude eleitoral. Obrador é hoje líder do maior movimento civil organizado do país, de resistência pacífica em defesa do petróleo.
“Para que os votos não fossem perdidos, Obrador pediu aos eleitores de Iztapalapa que votassem no candidato do PT (Partido do Trabalho), Rafael Acosta Ángeles, conhecido como Juanito, que, vencendo a eleição com os votos de Clara, a nomearia diretora jurídica e de governo, para depois passar a ela o cargo de chefia”, diz Pliego.
Mas isto não aconteceu. Juanito decidiu não cumprir o acordo. Ele agora ameaça a administração do distrito e já pediu muito dinheiro. Em 60 dias, poderia voltar ao cargo de chefe e expulsar Clara Brugada.
O Partido Ação Nacional (PAN) e o Partido Revolucionário Institucional (PRI), ambos de direita, o apóiam. E o escultor Bernardo Luis López Artasanchez, de Veracruz, fez uma estátua de bronze de Juanito com 70 cm de altura. O escultor é famoso no México por ter feito em 2007 uma estátua do ex-presidente Vicente Fox, erguida em Veracruz e derrubada poucos dias depois por centenas de pessoas. Mais recentemente, ele fez a estátua do menino Edgar Hernández, supostamente a primeira vítima humana da gripe suína (chamado de “Paciente Zero”).
Inspiração no Brasil
“Não vou reagir a esta provocação”, diz Clara Brugada ao Opera Mundi, “pois as pessoas sabem perfeitamente que Juanito não age em favor do interesse comum, mas em seu próprio. É uma atitude muito irresponsável. Mas o que a direita e Juanito querem é que eu reaja às suas provocações. Não farei isso. O que faço é apresentar meus projetos de governo: o programa de orçamento participativo, uma novidade no México, que baseamos nas experiências bem-sucedidas de Porto Alegre”.
“Outro tema que quero defender é a descentralização do distrito por meio de 200 'casas de colônia', para que as pessoas participem da vida pública e saiam da opressão. Meus dois objetivos são a transparência e a participação, porque este distrito é ao mesmo tempo pobre demais e importante demais para a cidade. Então, deixem que Juanito tenha sua estátua. As pessoas decidirão o que fazer com ela”, desafia a líder comunitária.
“Clarita é uma de nós”, grita um idoso membro do PT do distrito. “Sempre esteve aqui, lutando conosco. Juanito não é ninguém, não é nada. Só votamos nele porque estávamos votando em Clarita”.
Os idosos de San Miguel conhecem Brugada há tempos como uma mulher amável e obstinada. “Desde criança, ela nos acompanhava lutando, com uma marmita, comendo tortilla fria, quando havia o que comer”, lembra Juan Manuel, um veterano ativista do distrito.
“Cheguei aqui para estudar no início dos anos 1980”, conta Clara Brugada, “depois de ter vivido em San Cristóbal de las Casas, em Chiapas. Minha formação, portanto, foi a das comunidades cristãs de base. De volta ao Distrito Federal, decidi viver e lutar na zona mais pobre da cidade. Na época, San Miguel Teotongo era o símbolo da luta operária, um bairro de gente muito persistente, muito dura. De fato, os políticos chamavam o povoado de San Miguel Me Opongo [oponho-me]! Depois desses anos todos que passei lutando aqui, as pessoas sabem quem eu sou. Estava com elas quando a polícia nos reprimia. Chegaram a quebrar o meu nariz em uma passeata em defesa do direito de termos água, luz e áreas verdes neste bairro”, relata.
Pouca água, muitas drogas
A água só chega uma vez por semana em San Miguel Teotongo, assim como em Tenorio e nas demais comunidades altas de Iztapalapa. “A água tem cor de café. É com ela que temos de tomar banho”, conta dona Alejandra, que mora há 35 anos em Tenorio. “Muitas vezes temos de comprar garrafões de 19 litros de água potável para tomar banho, lavar os utensílios domésticos. E é um custo alto. São quase 200 pesos por mês, o que é muito dinheiro para nós”.
As ruas esburacadas tornam a circulação muito difícil. Nas esquinas, há montanhas de lixo e jovens cheirando cola.
“A única escassez que não percebemos aqui é a escassez de drogas. Tem de tudo, e sempre com o mesmo preço. Os traficantes têm um mercado muito bom aqui, pois as crianças usam crack desde os 13 anos”, diz Juan Carlos, morador de San Miguel Teotongo. Ele cuida da manutenção da única área verde do local: um parque onde são cultivadas plantas medicinais, frutas e flores.
“Passamos 17 anos defendendo este parque. Foram anos de briga violenta contra todos os que queriam urbanizá-lo. Iztapalapa é um lugar difícil, onde tudo o que as pessoas possuem foi conquistado com muita luta. A luz, a água, o transporte, o respeito”, resume.
*Texto e fotos
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