Uma imagem de Juan Domingo Perón, feita com papelão, é carregada por um grupo de jovens na Praça de Maio. “Deixa aqui”, diz um deles. “Não, aqui não”, sugeria outro, buscando um melhor lugar para posicionar a representação em tamanho real do ex-presidente argentino, morto em 1974.
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Após circular pela praça, o grupo decidiu deixá-lo em cima do palco montado em frente à Casa Rosada. Naquela altura, o pedaço de papelão estaria protegido dos abraços das dezenas de pessoas que se aproximavam para tirar fotos com o criador e líder máximo do peronismo, na comemoração do dia 17 de outubro deste ano.
Há exatos 66 anos, uma multidão de operários e trabalhadores de diversos sindicatos ocupava esta mesma praça para pedir a libertação do então coronel, mantido como prisioneiro militar desde o golpe de 1943. O dia foi definido como o da Lealdade Peronista, e o episódio como “patas na fonte”, devido a uma foto histórica, em preto e branco, que mostra trabalhadores descansando os pés em uma fonte, ainda existente.
Aldo Jofre Osorio
Perón 'vive' na praça em frente à Casa Rosada
Mais que a Perón, a maioria dos jovens que lotaram a Praça de Maio na comemoração deste ano são leais à presidente argentina Cristina e a seu falecido marido e antecessor, Néstor Kirchner. No chão da praça, dezenas de jovens pintavam cartazes e bandeiras. Outros, em stands, distribuíam panfletos, pintavam camisetas e até mesmo calcinhas com trechos de discursos de Cristina e com a inscrição “Clarín Mente”.
Desde a polarização política do país em 2008, quando os agropecuários entraram em conflito com o governo, devido a uma proposta de aumento nos impostos à exportação de grãos, o Clarín se tornou um dos grandes difusores de oposição à gestão da peronista. A partir de então, passou a ser lido e mencionado criticamente por estes jovens militantes, para quem o casal Kirchner representa o regresso do peronismo, adaptado aos dias atuais.
“Na época do conflito, várias pessoas perceberam que tinham que se posicionar e começou a surgir uma juventude muito mais guerreira, muito mais ativa. Além de pessoas mais velhas que a militar, a maioria dos jovens acabou se aproximando da política pela primeira vez”, explica ao Opera Mundi Matías Reynoso, conhecido como “El Oso” pelos membros do grupo peronista Vatayón Militante.
Aldo Jofre Osorio
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Para Enrique Aurelli, membro da agrupação La Cámpora, o momento atual é o encontro das duas gerações de militância: a atual e a dos anos 1970, representada por Néstor e Cristina Kirchner: “Néstor é o Perón dos anos 1950. Ele escutou e interpretou a juventude e recuperou seu lugar na política, como naquela época, e sintetizou esta força. Sua grande esperança era que os jovens se tornassem um pilar importante do movimento e exercessem um papel”, ressalta.
O portenho Franco Dante Alejandro Giannetti, por sua vez, decidiu militar há cerca de um ano e meio, após a aprovação, em julho do ano passado, da lei do matrimônio igualitário, que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “O kirchnerismo abriu as portas ao diálogo, nos escutou, nos compreendeu e nos tratou como pessoas. Aqui na Argentina abundavam promessas, mas este foi o primeiro governo que cumpriu o que prometeu”, diz ele, que se prepara para entrar na faculdade.
No dia da morte do ex-presidente, em outubro do ano passado, milhares de pessoas ocuparam a Praça de Maio para homenageá-lo. “A maioria delas era jovem”, lembra Reynoso. Além de levantar cartazes com a mensagem “Força, Cristina”, os militantes cantavam em uníssono ameaças aos “gorilas” – termo pejorativo para designar os direitistas que se opõem ao peronismo: “Che gorila, não vamos te dizer de novo, se tocam na Cristina, vai dar confusão”.
Militantes kirchneristas na Praça de Maio, no dia da morte de Néstor Kirchner:
Meses após a perda, aparentemente mais recuperada, a presidente chegou a responder ao canto: “Tranqüilos, meninos, o único que me tocava era o meu marido”, disse, em tom bem-humorado, aos militantes que a amparavam em um ato público. Após a morte de Néstor, a quantidade de jovens defensores da presidente e de seu governo aumentou consideravelmente e ganhou notoriedade nacional.
As dezenas de agrupações conformadas por eles, sob o guarda-chuva da Juventude Peronista (JP), são hoje um dos mais importantes movimentos de base da atual gestão. Os cerca de 15 integrantes da La FotografiK, por exemplo, se juntaram há alguns meses para, através da fotografia, apoiar o governo de Cristina: “Registramos as mudanças feitas no trabalho do dia a dia e tentamos divulgá-las da melhor maneira possível”, relata a estudante de sociologia Agostina Muscio.
Influência
Já a agrupação La Cámpora, formada durante o mandato de Néstor por seu primogênito, Máximo Kirchner, foi a que mais cresceu em relevância e quantidade de integrantes. María Belén Ponce, estudante universitária, se incorporou à agrupação após a morte do ex-presidente e hoje afirma com convicção: “Nós somos parte do governo e respondemos diretamente à presidenta”, explica.
Aldo Jofre Osorio
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De fato, muitos dos integrantes desta agrupação são pessoas de confiança de Cristina e passaram a ocupar posições no governo, dirigir empresas estatais e a candidatar-se a cargos políticos pelo partido kirchnerista FPV (Frente para a Vitória). Entre eles estão o ministro de Economia, Amado Boudou, o deputado Juan Cabandié e Mariano Recalde, presidente das Aerolíneas Argentinas.
Além de distribuir panfletos na rua e participar de atos públicos para ajudar na campanha para a reeleição de Cristina Kirchner e dos candidatos de sua fórmula, a agrupação, que está divida em sedes territoriais ao longo do país, também informa a população sobre os programas do governo aos quais podem aceder, como a Asignación Universal por Hijo, um programa semelhante ao Bolsa Família, ou o cadastro no sistema de aposentadoria.
“Avisamos no bairro quando virá o caminhão do Carne para Todos [programa de venda de carne e lácteos por preços reduzidos], por exemplo, para que as pessoas possam se apropriar deste recurso, com organização e difusão. Também organizamos os vizinhos para comprar alimentos no mercado central, porque sai um quinto do preço”, explica Aurelli, que milita em uma sede da agrupação no bairro de San Telmo.
Quanto à quase certa vitória de Cristina Kirchner nas eleições deste domingo (23/10), Aurelli afirma que o trabalho da militância não diminuiu: “Sempre vamos a querer um pouco mais. Queremos que chegue a 60% dos votos, porque este governo foi histórico realmente e esse modelo tem que se consolidar”, defende o militante.
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