“A angústia agora é que não dá para saber como essa situação vai ficar. O maior medo é a possibilidade de epidemias, como cólera. Mas ninguém também sabe quanto tempo a água e a comida vão durar, já que estão cada vez mais escassas. É uma contagem regressiva de recursos”, afirmou nesta quarta-feira (29/04) Jéssica Sarti, 25 anos, em entrevista a Opera Mundi pelo telefone da embaixada brasileira de Katmandu, capital do Nepal.
No fim de semana, o país asiático foi atingido por um terremoto de 7.8 na escala Richter que deixou ao menos 5.000 mortos e 11.000 feridos, segundo o último balanço divulgado pelo Ministério do Interior. Trata-se da pior catástrofe do gênero em 80 anos na nação. Por conta do mau tempo e da falta de capacidade das autoridades nepalesas em responder à situação, os resgates são limitados e mais óbitos são esperados para as próximas horas.
Facebook/JéssicaSarti
Jéssica em monastério na Tailândia, um dos destinos da viagem pela Ásia
Formada em Relações Internacionais pela PUC-SP, Jéssica estava explorando o sudeste asiático havia pelo menos seis meses. Foi no oitavo dia em que estava hospedada em uma casa de família em Katmandu que sentiu os tremores, por volta das 11 horas da manhã de domingo (26/04; sábado em Brasília).
“Quando o chão começou a tremer, eu estava no segundo andar do prédio e tentei me segurar pelas paredes para descer correndo. Eu e os outros moradores corremos descalços de lá e vimos uma massa de pessoas que gritava para irmos para a praça central da capital, dizendo que lá seria mais seguro. Mas era muito difícil enxergar, pois havia uma coluna de poeira marrom de uns dez metros de altura”, relembra a paulista.
“Aos poucos, quando a fumaça abaixou, vimos que tudo estava destruído. As pessoas tentavam procurar conhecidos soterrados nas pedras. Eu vi muitos corpos e crianças chorando. Foi muito assustador. Nesse processo todo, perdi a noção de tempo. Acho que foram pelo menos umas quatro horas de caos total. Quando fui entender o que estava acontecendo, já era fim da tarde”, recorda.
EFE
Nepaleses procuram pertences em meio à destruição em Katmandu
Quando a situação começou a acalmar, Jéssica voltou para o local onde estava hospedada para pegar passaporte, sapato e cobertores. “O prédio não tinha caído, mas estava todo danificado, com rachaduras em todos os lugares. Peguei as coisas em 10 segundos e voei dali”, conta.
Naquela noite, ela dormiu na praça central com uma amiga israelense e centenas de milhares de nepaleses. “Katmandu é um mar de pequenos prédios e as ruas são muito estreitas, então, ficar preso é muito fácil. A cidade não é nada planejada. Muita gente que eu conhecia lá perdeu tudo”, lamenta.
Por conta da demora na resposta do governo nepalês face à situação dramática, a sociedade civil tem se organizado em pequenos grupos conforme os bairros para formar equipes de resgate em meio aos escombros. É o caso de Rocky, 25 anos, um dos moradores da casa em que Jéssica ficou hospedada. “Encontro com ele direto. Ele fica o dia inteiro procurando corpos nas pedras, mas cada hora que passa está perdendo a esperança de encontrar pessoas vivas”, afirma.
Segundo a brasileira, mesmo cozinhando nas ruas e dormindo no frio, os nepaleses tem um grande senso de comunidade. “O povo é bem tranquilo, ninguém é violento, nem partiu para roubar. Todo mundo está dividindo o espaço que tem. Mas não se sei isso vai continuar assim, quando a situação ficar mais desesperadora e se acabar agua e comida…”, diz.
Facebook/NofiBenGiat
População se aglomera na praça Durbar, localizada no centro de Katmandu
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Apesar dos mais de cem tremores secundários que o país foi atingido depois do terremoto, a brasileira conta que consegue caminhar pela cidade para obter comida e abrigo, mas com máscaras, já que a poeira persiste. Nas últimas duas noites, ela relata que dormiu em um acampamento de refugiados improvisado em um parque na capital.
Apoio de ONGs
Para Jéssica, é notável a ajuda de ONGs internacionais, mas o gerenciamento dos recursos feito pelo governo nepalês não está sendo adequado. Nos acampamentos, por exemplo, o Exército está fornecendo um pouco de comida e água, mas há filas de mais de duas horas para conseguir alguma coisa.
“Tem muita gente aqui que não tem a menor estrutura, mas mesmo assim não dá para depender do governo. Há uma série de vilas que estão destroçadas e que você só consegue chegar depois de 12 horas caminhando para acessá-las. No pequeno aeroporto de Katmandu, chegam médicos, suplementos, mas que ficam pela capital mesmo. Nessas outras regiões, simplesmente não há ajuda, pois as estradas estão totalmente quebradas”, explica.
Efe
Mulheres observam os estragos em Chautra, um vilarejo situado a cerca de 100 quilômetros da capital
“A minha vontade é ficar aqui e ajudar, mas está difícil ver em como eu poderia ser útil. Tentei me voluntariar em um hospital, mas não me passavam muitas coisas para fazer. Todo mundo me diz para ir embora, que vou sofrer com as doenças locais. As embaixadas pedem que a gente saia para não fazer parte do problema. Eu realmente não quero ser mais uma pessoa a usar os poucos recursos – de água e de comida – que ainda sobram”, pondera.
Na embaixada, Jéssica só tem acesso a telefone e a internet. “O último tremor que eu senti foi há uns 30 minutos. É tudo muito intenso. Cada vez que a terra mexe fico alerta. Do medo, vou para tristeza. Depois, sinto compaixão. Em seguida, sinto alegria quando encontro um amigo. Aí o tremor volta e todos esses sentimentos se repetem”.