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O mexicano Jaime Osorio defende que o estado brasileiro não pretende orientar o capital nacional e internacional, como ocorre na China
Ao Opera Mundi, Osorio analisou o significado da economia latino-americana em tempos de crise do capital. Com crescimento superior ao da zona do Euro e dos Estados Unidos, o continente não está imune aos descompassos do sistema, mas é atingido de forma diferenciada. Em um momento em que as dificuldades dos mercados financeiros produzem salários, condições de bem-estar social e legislações trabalhistas cada vez mais degradadas, o bom desempenho econômico de países como o Brasil torna-se apenas uma expressão desigual da naturalmente contraditória lógica capitalista.
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JO: Sim, ela é geral. O que ocorre é que essa crise se expressa de forma desigual. É errado comparar o Brasil com a China, a China com a Índia e assim por diante. Os BRICs são uma simples homogeneização feita a partir de dados estatísticos que descarta diferenças qualitativas.
No caso da China, por exemplo, houve um processo revolucionário que estabelece diferenças fundamentais com a economia brasileira. O ponto é que lá há um estado com capacidade de orientar o que o capital nacional e internacional pode fazer. Isso o Estado brasileiro não tem, não se propõe a ter e nem deseja ter. Isso porque aqui não houve uma revolução, porque aqui o capital tem o Estado a seu serviço. Na China há controle cambial, controle sobre condições de investimento estrangeiro e critérios para a capacitação de mão-de-obra.
OM: O senhor diz que o capitalismo sempre privilegia algum setor da economia em detrimento de outro. Qual segmento o senhor vê destacado atualmente?
JO: Há uma tendência geral que se traduz no abandono do setor industrial. No Brasil e no México isso ocorre menos porque nesses países há um padrão manufatureiro muito forte. Mas, no novo padrão, os setores de maior peso estão relacionados ao lucro sobre recursos naturais. E isso implica em trazer de volta o auge do que tem sido uma constante na história econômica latino-americana: sustentar-se na produção agrícola e na mineração.
A consequência é que o setor industrial vai perdendo significação em países menores, mas com um certo desenvolvimento industrial, como no Chile, no Peru ou mesmo na Colômbia. O Brasil tem um setor industrial de peso, mas é verdade que isso está perdendo significação no PIB, nas exportações e no desenvolvimento tecnológico.
OM: Qual a relação entre a valorização do setor de commodities no continente e os recentes fenômenos de reestatização de recursos naturais?
JO: Há um movimento duplo. De um lado surge o capital tentando se apropriar (ou se reapropriar) de explorações agrícolas, minerais e florestais, o que implica na transgressão dos interesses de povos e comunidades mais ancestrais e na motivação de levantes populares. De outro há a revalorização pelos estados de condições de controle. O caso da Venezuela e seu segmento petrolífero é talvez o mais claro.
OM: Qual é o modo de reprodução de capital menos agressivo ao mundo do trabalho? É possível um padrão menos agressivo?
JO: Nas atuais condições de funcionamento do capitalismo exportador da América Latina (que já está se arrastando há pelo menos três décadas), há um descenso brutal das condições de trabalho, dos salários e das condições de bem-estar social.
Não vejo nenhuma lógica menos agressiva, pelo contrário: vejo o lado mais brutal dessa lógica instalado na Europa e nos Estados Unidos. Em tempos de crise, aspectos civilizatórios do capital, aspectos menos selvagens associados à capacidade de se construir uma sociedade menos brutal, tendem a desaparecer. Embora a crise financeira não nos tenha afetado tão diretamente, ela contribui para o perfil mais bárbaro do sistema.
OM: O senhor diz em seu livro que o novo modelo do mercado financeiro instalou, com sua volatilidade, um novo elemento na lógica do capitalismo. Qual é esse elemento?
JO: O capitalismo alcançou estágios de desenvolvimento onde surge a figura do capital financeiro. Nesse momento ele se abstém da produção real de valor para se converter em ficção. Trata-se de uma modalidade de capitalismo que busca extrair lucro das condições reais de valor a partir de especulações.