O egípcio Ahmed Rashwan apresenta esta semana, em São Paulo, seu mais recente filme, Nascido em 25 de Janeiro, um registro cinematográfico do que ficou conhecido como “Revolução Egípcia”, iniciada em 2011. No sábado (21/07), ele participa de debate no Centro Cultural Banco do Brasil, como parte da segunda temporada da 7a Mostra Árabe de Cinema.
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Cena de Nascido em 25 de Janeiro, destaque da 2º temporada da Mostra Mundo Árabe de Cinema em SP
Em entrevista ao Opera Mundi, o diretor confessa que, antes de janeiro do ano passado e da queda de Hosni Mubarak, não tinha envolvimento político. “A Revolução mudou as coisas não apenas para mim, mas para todos”, diz. Nascido em 25 de Janeiro fala sobre os quatro meses do movimento: o começo é a Sexta-feira da Raiva (Friday of Anger) de 28 de janeiro, três dias depois do início do levante, e vai até 27 de maio. Abaixo, Rashwan fala sobre o filme, as conquistas que o movimento popular deu ao Egito e os problemas que ainda existem.
Opera Mundi: Por que a revolução aconteceu, apesar do imenso controle de Hosni Mubarak sobre o país naquele momento?
Ahmed Rashwan: A polícia torturava e pessoas como Said Bilal morreram por causa disso. Na última eleição, o partido do governo, o Partido Nacional, registrou cerca de 95% dos votos. Os egípcios se cansaram de tudo isso. Havia desemprego, pobreza e milhões estavam sem renda ou comida. As manifestações na Tunísia também tiveram efeito. Enfim, tudo culminou para a criação de conjunto de acontecimentos que levou à Revolução. Em várias cidades – Alexandria, Suez, Mansoura, Port Said -, milhões de pessoas tinham apenas um objetivo: derrubar Mubarak. Nós não retrocedemos, não aceitaríamos voltar para casa até que ele caísse.
OM: Como surgiu a ideia de fazer o filme?
AR: No começo, era apenas um registro da Revolução. Eu participei dos protestos como cidadão egípcio, não como artista. Comecei a filmar em 28 de janeiro de 2011, na Sexta-feira da Raiva, um marco para o movimento.Três dias depois do início da Revolução, no dia 25, algumas pessoas começaram a se preocupar, sem saber se estavam diante de uma revolução ou de apenas uma grande manifestação. Eu era uma delas. Tínhamos a esperança de que, depois do que aconteceu na Tunísia, algo acontecesse no Egito. No dia 28, eu estava na ponte Qasr al-Nile e percebi que algo grande ocorreria quando vi pessoas morrendo na frente dos meus olhos, na frente da minha câmera. Depois de algumas horas, a polícia caiu, os militares saíram e tomaram conta das ruas e o regime de Mubarak estava com problemas. Depois de sua queda, em 11 de fevereiro, o filme ganhou força em minha cabeça.
Roberto Bueno
OM: Por que o filme acaba em 27 de maio?
AR: Outros documentaristas finalizaram com a saída de Mubarak do poder. Eu não, pois o que veio depois foi mais importante. A Irmandade Muçulmana tentou controlar o movimento e tomá-lo para si.
[Ahmed Ashram sobre a revolução no Egito: “pela primeira vez éramos donos do nosso destino”]
Mas, não, foi o povo do Egito, de todos os partidos e grupos, que fez a revolução. Membros da Irmandade, salafistas, cristãos e intelectuais participaram como egípcios. Por outro lado, vieram os militares, tentando controlar o país.
O povo estava preocupado, pois não derrubou um regime para colocar outro no lugar. Seria um pesadelo. O filme acaba em 27 de maio pois, nesse dia, como em todas as sextas desde o início da revolução, houve uma manifestação. Ass pessoas pediam um país civil, sob leis civis e não militares. Os grupos islâmicos — inclusive a Irmandade — não concordaram em ir.
OM: O que o senhor pensa sobre a vitória da Irmandade Muçulmana?
AR: Muitos votaram em Mohammed Morsi (da Irmandade Muçulmana) voto de protesto contra Ahmed Shafiq, candidato de Mubarak. Em seu discurso, Morsi disse que seria presidente de todos os egípcios, não apenas da Irmandade. Espero que ele cumpra isso, porém, acredito que errou ao pedir o retorno do Parlamento, contradizendo uma decisão da Suprema Corte. Ele quis defender os interesses da Irmandade. Os militares agiram cumprindo a decisão da Justiça, que por sua vez tomou essa decisão porque não há Constituição para balizar de forma legal as ações do Parlamento. A casa legislativa ficaria fechada até a formulação de uma nova Constituição, que permitirá a realização de novas eleições parlamentares. Essa nova Constituição está sendo formulada por um comitê, um exemplo dos problemas atuais. Nele, 50% dos membros são da Irmandade. A formação deveria ser mais plural.
OM: Seu filme Basra, de 2008, traz personagens que viviam um drama longe do conflito, pois viam a partir do Egito a invasão do Iraque, em 2003. Agora são eles estão no meio do turbilhão dos acontecimentos.
AR: Em Basra os personagens estavam dentro dos acontecimentos. Ali, tentei tocar, como parte de uma nova geração, no que acontecia com o começo da guerra no Iraque, uma reflexão do que aconteceu conosco nesse período. Foi um momento muito complicado para nós. Como agora. A diferença é que em Basra os egípcios viam o que acontecia no Iraque pelos jornais na TV. Em Nascido em 25 de Janeiro, o personagem também assiste o que acontece pela televisão, mas decide ir para as ruas.
OM: Como foi a experiência de participar da revolução em seu país?
AR: Nada fácil. A “ação” não era apenas na Praça Tahrir. Foram formados diversos comitês populares em muitas ruas, com um sistema de checagem de segurança. Pela primeira vez, acho que os egípcios sentiram que tinham um papel importante, eram donos de seu destino, ainda que não estivessem em Tahrir. Vimos humor por meio de desenhos! Acho que a revolução revela o talento das pessoas, o outro lado delas. Nos descobrimos como artistas e como intelectuais, se assim podemos dizer. As pessoas descobrem a si mesmas. Não somos tão ruins como o regime dizia que éramos. Um dos personagens em meu filme diz isso: “Não somos tão ruins!”.
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