“Os egípcios ainda estão descobrindo o que significa ter um processo eleitoral mais livre e justo”, afirma Nathan Thompson, pesquisador norte-americano da School of Public Affairs da American University, em Washington, ao discutir o papel da mídia na transição democrática do Egito.
Em entrevista ao Opera Mundi, Thompson destacou que a elaboração de uma Constituição é um dos principais desafios do Egito neste momento, após a queda de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011.
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Thompson foi convidado pelo Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas para falar sobre mídia e democracia no Egito. Com formação em Administração Pública pela American University, Thompson foi diretor-assistente do Public Affairs and Advocacy Institute no Center for Congressional and Presidential Studies e, como jornalista, trabalhou na National Public Radio (NPR) em Los Angeles e Washington.
Crítico do termo “Primavera Árabe”, o especialista em Egito analisa se houve uma revolução das redes sociais nos levantes populares que culminaram na queda do ditador Mubarak. “Foi uma combinação da emergência das novas tecnologias particularmente com propósitos de mobilização”.
Segundo ele, os jornalistas egípcios ainda enfrentam diariamente restrições ao seu trabalho e a autocensura. “As coisas não mudam da noite para o dia, levará tempo”, admitiu.
Leia a seguir a entrevista:
Opera Mundi: Nesta semana, Mohamed El Baradei, um dos principais nomes da política egípcia e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2005, esteve no Brasil e afirmou que o Egito ainda não desfruta os benefícios da revolução. O que você pensa sobre isso?
Nathan Thompson: Acho que sim, muitos dos egípcios ainda continuam lutando, metade vive abaixo da linha da pobreza com o equivalente a 2 dólares por dia. Há ainda uma grande percentagem de analfabetismo. Há muitas questões sociais e econômicas, e El Baradei tem certamente razão, a vasta maioria da população talvez não esteja se beneficiando diretamente da transformação de poder e dinâmica política. O processo político ainda está acontecendo, os egípcios ainda estão descobrindo o que significa ter um processo eleitoral mais livre e justo. É uma questão de tempo e levará vários ciclos políticos. As coisas não vão ser resolvidas da noite para o dia.
OM: Quais são os principais desafios para o Egito neste momento, após a queda de Hosni Mubarak?
NT: A elaboração de uma Constituição é um grande desafio, talvez o maior. Já há uma constituição interina que tem tido muitas discussões e debates entorno deste tema. Esse processo pode levar algum tempo ainda. Alguns colegas da mídia no Cairo questionam, por exemplo, quais provisões dizem respeito à mídia e à liberdade de imprensa na nova Constituição. Eles dizem que aparentemente o foco agora é menos na liberdade de imprensa e mais no papel da religião na política (a sharia, lei islâmica). Não sou expert na sharia, mas o Egito é um país muçulmano. Muitas pessoas estão falando sobre isso na imprensa. Todo mundo agora tem prestado atenção no processo constitucional e ninguém tem muita certeza de como isso vai resultar. Cada país tem uma interpretação específica sobre liberdade de expressão e de imprensa.
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OM: Como vê o movimento de levante popular no mundo árabe em 2011, que ficou conhecido como Primavera Árabe? Como analisa o ímpeto de democratização dos países árabes?
NT: É um termo difícil de ser usado, eu quase não o utilizo para explicar o levante árabe. Sou crítico a essa expressão. Acho que o termo foi pego emprestado de alguém da imprensa, mas implica algo como um novo dia, como uma nova página do país, mas muitas pessoas questionam o termo e preferem usar outras expressões como revolta ou levante. Falar em Primavera Árabe envolve muitas conotações, por isso pretendo evitar este termo.
OM: Qual foi o papel da mídia no levante no Egito?
NT: As pessoas se perguntam se houve uma revolução midiática, uma revolução do Facebook ou do Twitter. Não acho que foi isso totalmente, e sim uma combinação da emergência das novas tecnologias particularmente com propósitos de mobilização combinado com outras formas de se organizar na sociedade civil. Mas foi definitivamente uma questão importante para organizar, mobilizar e dar visibilidade. Há muitas páginas do Facebook que ficaram famosas como a “We are all Khaled Said”, vítima de abuso da polícia em Alexandria.
E tudo isso aconteceu no mesmo tempo e surpreendeu até os próprios egípcios. As pessoas falavam sobre solidariedade online com o que acontecia na Tunísia ou com o que houve com o caso do Said. A blogosfera e as novas mídias no Egito têm se tornado cada vez mais populares e têm crescido muito nos últimos anos.
OM: Como podemos definir o ciberativismo? Qual a importância dele no Egito?
NT: Há muitas pesquisas sobre o ciberativismo. Algumas pessoas são mais ativistas que outras, mas são pessoas que encontram voz nesta nova plataforma para exprimir suas opiniões. Desde 2000, já surgiam alguns jornais mais independentes e críticos ao regime de Mubarak. Já era um ambiente que favorecia mais as críticas.
Hoje há literalmente milhares de blogueiros, alguns falando entre si, mas outros são realmente lidos e acessados de fora do Egito como forma de interpretar o país para o resto do mundo. Alguns escrevem apenas em árabe, mas outros também em inglês.
OM: Como está o Egito em relação à liberdade de imprensa neste cenário de pós-revolução?
NT: Há algumas formas de olhar a liberdade de imprensa. Algumas organizações conseguem medir o quão livre é uma imprensa em seu país. Freedom House, em 2012, disse que no Egito a mídia era parcialmente livre, mas há outras restrições que jornalistas enfrentam, como a autocensura. Há casos de jornalistas que são processados e podem ir para a prisão. As pessoas simplesmente não podem escrever sobre qualquer coisa, sobre a Suprema Corte ou as forças militares. Se eu fosse um jornalista egípcio, teria cautela. As coisas não mudam da noite para o dia, levará tempo.
Agência Efe
Redes sociais tiveram papel importante para organizar encontros e protestos antes da queda de Mubarak
OM: Qual o papel que a imprensa deve desempenhar neste momento de transição para a democracia?
NT: Têm surgido novas vozes num ambiente mais plural em que as pessoas podem se expressar nas televisões ou na imprensa escrita. É uma forma positiva de contribuir neste período de transição para a democracia. Pode levar algumas eleições, ainda assim não saberemos como resultará ou se todas as peças do quebra cabeça estarão juntas.
OM: O Egito pode ser um exemplo para o resto da região?
NT: Cada país tem suas diferenças e dificuldades em relação à mídia. Mas cada ambiente é diferente. Não se pode adotar um exemplo e aplicá-lo em outros países. Por isso acho que pesquisas e estudos comparativos podem ser úteis. Há semelhanças, mas é difícil dizer se o que funciona em um, funcionará bem em outro país. O que aconteceu no Egito pode até ser um exemplo, mas não um modelo.
OM: Como você percebe a situação na Síria? A imprensa é proibida de fazer a cobertura?
NT: Tem ocorrido uma serie trágica de eventos já há muitos meses na Síria, em que dezenas de milhares de pessoas já perderam suas vidas. A imprensa internacional não está oficialmente permitida a entrar no país, mas para aqueles que já estão lá, os sírios estão conseguindo algumas informações, mas não se pode comprovar a veracidade. Este é um bom exemplo de contextos tão diferentes em relação ao que vemos no Egito ou na Tunísia.