Um grupo de parlamentares dos Estados Unidos enviou uma carta ao secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, demonstrando preocupação com medidas tomadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que poderiam colocar a “democracia do Brasil em risco”.
“Desde a eleição do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro para presidente nós estivemos particularmente alarmados com a ameaça que a agende de Bolsonaro impõe à comunidade LGBTQ+ e outras comunidades de minorias”, afirma o documento que foi enviado na última segunda-feira (04/03).
Assinado por 30 membros do Congresso norte-americano, o documento ainda aponta para as “tendências conservadoras” que se espalharam pela vida política do país antes mesmo da vitória eleitoral de Bolsonaro.
Segundo a carta, “também deve preocupar a todos que estão comprometidos com a democracia brasileira que Bolsonaro foi eleito depois do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva […] ter sido impedido de concorrer em circunstâncias controversas que colocaram em risco o direito da população do Brasil escolher livremente seu presidente”.
O documento é assinado por membros veteranos do Congresso, como o democrata Bobby Rush, congressista pelo estado de Illinois desde 1993, e também por novas figuras políticas como a socialista Alexandria Ocasio-Cortez e a somali-americana Ilhan Omar, ambas eleitas nas legislativas de 2018.
A carta ainda destaca a “admiração” de Bolsonaro pela ditadura civil-militar brasileira (1964-1988) e condena ações violentas do presidente como instigar “uma limpeza” política no país, sugerindo que o ex-ministro Fernando Haddad, candidato nas últimas eleições pelo Partido dos Trabalhadores, poderia “ser preso ou sofrer violência”.
“Nós estamos profundamente desapontados pelo fato de que – longe de expressar a preocupação dos Estados Unidos com a defesa dos direitos humanos no Brasil – esta Administração [Donald Trump] fez declarações públicas elogiando Bolsonaro”, afirma o documento.
Leia a carta na íntegra:
Congresso dos Estados Unidos
4 de Março, 2019
Ao honorável Michael R. Pompeo
Secretário do Departamento de Estado dos Estados Unidos
Caro Secretário Pompeo:
Estamos escrevendo para enfatizar publicamente a importância de defender os direitos humanos do povo brasileiro. Desde a eleição do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro como presidente, ficamos particularmente alarmados com a ameaça que a agenda de Bolsonaro representa para a comunidade LGBTQ + e outras comunidades minoritárias, mulheres, ativistas trabalhistas e dissidentes políticos no Brasil. Estamos profundamente preocupados que, ao atacar direitos políticos e sociais duramente conquistados, Bolsonaro esteja pondo em perigo o futuro democrático do Brasil a longo prazo.
Como uma democracia ainda em desenvolvimento, o Brasil deve ser particularmente vigilante na proteção de suas instituições e na garantia da separação de poderes no país. Mesmo antes de Bolsonaro tomar posse, as tendências regressivas que pressionavam contra a democracia do Brasil eram claras. Deveria preocupar a todos aqueles que estão comprometidos com a democracia brasileira que Bolsonaro foi eleito depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – amplamente reconhecido como o líder político mais popular no Brasil – foi impedido de concorrer em circunstâncias polêmicas que colocam em risco o direito do povo do Brasil de escolher livremente seu presidente.
Embora as eleições de outubro de 2018 tenham colocado Bolsonaro na Presidência, acreditamos que aqueles de nós que representam os Estados Unidos devem deixar claro que a fala e as ações que aumentam a divisão, o ódio e a exclusão ameaçam a democracia e suas instituições vitais. Estamos particularmente alarmados com o impacto que Bolsonaro, que se descreveu como “homofóbico” – e muito orgulhoso disso”, e fez afirmações odiosas contra indivíduos LGBTQ + ao longo de sua carreira política, terá sobre a comunidade LGBTQ + e dissidentes políticos. Num sinal claro do perigo enfrentado pela comunidade brasileira LGBTQ+ e dissidentes políticos, o primeiro membro abertamente gay do Congresso Nacional do Brasil, Jean Wyllys, anunciou recentemente que renunciaria a sua posição e deixaria o Brasil devido aos temores por sua segurança em meio à crescente violência e intimidação contra indivíduos LGBTQ +.
Nas semanas que se seguiram à posse de Bolsonaro, ele já começou a minar os direitos dos indivíduos LGBTQ + e membros de outras comunidades minoritárias. No primeiro dia na Presidência, ele assinou decretos retirando os direitos LGBTQ + de seu status de direitos humanos protegidos bem como reduzindo as proteções à terra para comunidades indígenas e descendentes de escravos. A decisão de Bolsonaro de transferir o poder de regulamentar e criar reservas indígenas para o Ministério da Agricultura, juntamente com outras políticas que sinalizam sua intenção de buscar agressivamente o desmatamento na Amazônia, despertou profunda preocupação entre os defensores dos direitos indígenas e proteção ambiental – tanto no Brasil quanto no mundo.
Nós também estamos preocupados com os direitos das mulheres sendo infringidos pelo governo Bolsonaro. A alta taxa de homicídios e outras formas de violência contra as mulheres no Brasil está bem documentada, e o histórico de declarações violentas e machistas de Bolsonaro contra as mulheres é extenso. A retórica degradante e desumanizante de Bolsonaro, combinada com ações como a assinatura de um decreto que amplia significativamente o acesso a armas, sugere que o abuso doméstico e outras formas de violência contra as mulheres não serão uma prioridade para seu governo. Recentemente, o governo de Bolsonaro anunciou que removeria as referências ao feminismo e à violência contra as mulheres dos livros escolares das escolas públicas, além das referências relacionadas à comunidade LGBTQ +.
Os direitos dos trabalhadores e aqueles que os defendem também estão em perigo desde que o governo Bolsonaro eliminou o Ministério do Trabalho do Brasil, com as responsabilidades anteriormente consagradas no Ministério do Trabalho agora divididas entre três ministérios distintos. O Ministério da Justiça – normalmente voltado para atividades criminosas – recebeu a autoridade de conceder ou negar direitos de representação legal aos sindicatos em um processo cada vez mais politizado, capaz de estigmatizar e reduzir a atividade sindical vital e legítima.
Bolsonaro também demonstrou uma clara hostilidade à própria democracia. Ele expressou sua admiração pela ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, elogiou a tortura e prometeu designar dissidentes como inimigos internos e membros de organizações terroristas. Em uma passeata, uma semana antes de sua eleição, Bolsonaro prometeu levar a cabo seus opositores políticos em “uma limpeza nunca vista antes na história do Brasil”, sugerindo que adversários políticos como o candidato presidencial rival de 2018, Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, poderia ser preso ou enfrentar a violência.
Estamos profundamente decepcionados pelo fato de que, longe de expressar a preocupação dos Estados Unidos com a defesa dos direitos humanos no Brasil, o governo fez declarações públicas elogiando Bolsonaro.
Como membros do Congresso, pretendemos continuar acompanhando de perto essa situação à medida que ela se desenrola. Como o principal diplomata de nossa nação, cabe a você representar os valores mais elevados da nação, defendendo os direitos fundamentais e a dignidade de todas as pessoas no Brasil.
Sinceramente,
Susan Wild
Ro Khanna
Alan Lownthal
James P. McGovern
Raúl M. Grijalva
Mark Pocan
Jamie Raskin
Charlie Crist
Ilhan Omar
Deb Haaland
Brian Higgins
José E. Serrano
Adriano Espaillat
Chris Pappas
Argie Craig
Bobby Rush
Barbara Lee
Frank Pallone Jr.
Eleanor Holmes Norton
Rosa Delauro
Jan Schakowsky
Steve Cohen
Henry “Hank” Johnson Jr.
Andy Levin
Alexandria Ocasio-Cortez
Matt Cartwright
Peter Welch
Pramila Jaypal
Jesus “Chuy” García
Ruben Gallego
Wikicommons
Mike Pompeo compareceu à posse de Bolsonaro em janeiro