A alguns quilômetros da cúpula oficial e dos rigorosos e ostensivos aparatos policiais, aproximadamente 300 pessoas se reúnem esta semana para um evento paralelo à 6ª Cúpula dos Brics, em Fortaleza. Com o nome de “Diálogos sobre desenvolvimentos – os Brics na perspectiva dos povos”, o fórum acontece nos mesmos dias da reunião oficial de chefes de Estado dos países emergentes e busca “fomentar discussões para a construção de uma ação articulada das sociedades civis organizadas dos países Brics”, segundo o comunicado oficial do evento.
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Sandro Fernandes/Opera Mundi
Um dos objetivos é integrar sociedade civil dos países, passando a conhecer movimentos sociais russos e chineses, por exemplo
No primeiro dia do encontro paralelo, a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (ou Banco dos Brics) foi um dos principais alvos de crítica. “Vai ser aprovado um banco em linhas gerais, mas não há detalhes definidos. E [no encontro dos Brics] não há nenhuma participação institucionalizada de movimentos sociais nem de sindicatos. No encontro oficial, só os empresários estão representados”, declarou Adhemar Mineiro, assessor da Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos).
“Eles falam em investir em infraestrutura. Nós entendemos infraestrutura como habitação, transporte, saneamento. Mas os líderes dos países dos Brics não devem entender a mesma coisa. Se não, estaríamos falando a mesma língua”, cocluiu Adhemar.
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O ativista social sul-africano Brian Ashley, representante do Centro de Desenvolvimento e Informação Alternativa (AIDC, na sigla em inglês), vê no bloco Brics uma oportunidade para pensar as relações e questões sociais dos países do grupo. “Os problemas são semelhantes porque somos todos emergentes, com demandas e desafios similares. A grande pergunta é: como diminuir a diferença entre o que conversamos aqui e o que conversam lá [na Cúpula oficial]?”. Para Brian, é possível que a agenda comum dos Brics seja não somente econômica, mas também social. “Não conhecemos os movimentos da sociedade civil em países como a Rússia e a China, por exemplo”. A Rússia é o único país que não conta com nenhum representante no fórum paralelo.
Crescimento chinês
O modelo de crescimento chinês não foi poupado de críticas pelos participantes do fórum, sendo apontado repetidas vezes como um perigo para as economias até mesmo dos Brics. O PIB chinês cresceu 7,7% em 2013, abaixo dos dois dígitos do milagre chinês da década anterior, mas muito acima dos colegas dos Brics. A Índia cresceu 3,2% no mesmo período, o Brasil, 2,5%, a África do Sul, 2% e a Rússia apenas 1,3%.
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“A dinâmica de superexploração dos recursos naturais está relacionada à demanda chinesa. O conflito entre populações locais e os grandes interessados em megaprojetos de infraestrutura é o resultado desta demanda que vem da China. E o resultado é muitas vezes fatal para a população local”, explica Fátima Mello, representante da ONG FASE, de direitos humanos. Segundo Fátima, o aumento da importação de commodities pela China nas últimas décadas “faz com que o Brasil mantenha o perfil de exportações baseado em grandes monocultivos, intenso uso de agrotóxico e estrutura fundiária”.
Fátima cita ainda sua preocupação com a flutuação dos preços internacionais dos recursos primários, gerando dependência do país aos humores especulativos, e destacou ainda o perigo em se vincular inclusão social à superexploração de recursos naturais. “Muita gente pensa que o pré-sal é a solução para o problema de investimento na educação no Brasil”. E ironiza: “O tema do encontro oficial dos Brics é sustentabilidade, mas não há nenhum conteúdo elaborado sobre o tema. Não podemos esperar que o banco dos Brics faça justiça ambiental, quando vemos o que os nosso bancos nacionais de desenvolvimento fazem”.
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Agência Efe
Evento oficial da 6ª Cúpula dos Brics acontece em Fortaleza e tem como principal pauta a criação de um banco do desenvolvimento
Durante os debates, o tom de crítica foi muitas vezes amenizado com o otimismo com os avanços do monitoramento social das últimas décadas. “Há 20 anos, falar sobre direitos humanos na China era um tabu. Você não podia usar este termo nos jornais”, contou Yiping Cai, ativista feminista na China.
“De fora, parece que não existe sociedade civil na China. Mas é um erro. Talvez haja uma grande barreira de idiomas. Talvez haja uma fragmentação dos movimentos sociais. Estamos trabalhando em diferentes frentes. Ainda falta colaboração entre os grupos que resistem”, disse a ativista.