Quando Sebastián Piñera disputou as eleições de 2009, uma de suas principais promessas de campanha era o estabelecimento de um “governo de excelência”. Perto do final do seu mandato, porém, o presidente que reconduziu a direita ao poder no Chile, do qual estava longe desde a ditadura de Pinochet, foi obrigado a abandonar a ideia da eficiência estatal devido a uma sucessão de escândalos.
Leia mais: Adversários mudam estratégia para evitar vitória de Bachelet no primeiro turno
O fracasso no censo de 2012, que envolveu mudança de método na última hora e suspeita de manipulação dos dados, foi o último de vários desatinos administrativos. Não foi um caso isolado, já que, um ano antes, o governo enfrentou as mesmas suspeitas de manipulação, pois os resultados de sua pesquisa de medição da pobreza foram questionados pela CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe).
Agência Efe
Direita chilena tem dificuldade de propor pauta da eficiência do Estado depois dos problemas da gestão Piñera
Os problemas de gestão começaram em meados de 2011, com uma guerra deflagrada contra o Poder Judiciário e o Ministério Público que abalou a relação entre o Executivo e os demais poderes e instituições públicas. Ainda no âmbito jurídico, o Ministério do Interior de Piñera colecionou três fracassos eloquentes, ao aplicar a Lei Antiterrorista, considerada a mais extrema das atribuições do Executivo, em três episódios que a Justiça avaliou que não eram procedentes.
Leia mais:
Presidente da Venezuela ordena ocupação de rede de eletrodomésticos acusada de especulação
O afã em intervir nas instituições voltou a afetar a imagem de Piñera através do futebol, quando a imprensa chilena vazou uma série de ligações de assessores do palácio presidencial, visando influir nas eleições da ANFP (Associação Nacional de Futebol Profissional do Chile).
Também houve escândalo na educação, durante a época das marchas estudantis, quando foi descoberto um cartel que vendia alvarás de funcionamento para universidades privadas. O Serviço Eleitoral também enfrentou problemas quando foram encontrados nomes de vítimas desaparecidas da ditadura e outras pessoas falecidas nos registros eleitorais como habilitados para votar – incluindo até mesmo o do presidente Salvador Allende, assassinado do golpe de 1973.
Aula Pública Opera Mundi – Esquerda e direita: que saída elas oferecem para crise?
Até o Serviço de Impostos Internos (a Receita Federal chilena), órgão que era considerado o mais eficiente e implacável do país, passou a ser questionado quando seu diretor, Julio Pereira, perdoou dívidas milionárias de algumas grandes empresas para possibilitar fusões de impacto no mercado. O caso manchou muito o presidente Piñera, já que Pereira era um homem de sua extrema confiança, mas que tinha vínculo trabalhista com algumas das empresas envolvidas. O presidente demorou cinco meses para tomar a decisão de demiti-lo, enfrentando a repercussão do caso na mídia.
Segundo a última pesquisa do instituto CEP (divulgada no dia 29/10), o atual líder chileno tem 31% de aprovação e 47% de rejeição. Além disso, 64% dos entrevistados afirmam que ele tem pouca capacidade de gestão e 60% veem nele uma figura pouco confiável.
NULL
NULL
Os escândalos de gestão explicam melhor esses números e o panorama político chileno. Quem vê o país somente através do noticiário internacional poderia supor que a rejeição a Piñera é explicada, basicamente, pelas diversas manifestações populares enfrentadas por ele durante o seu governo, começando com as primeiras marchas estudantis, em 2011, e seguindo com as manifestações regionalistas, sobretudo no sul do país.
Leia mais:
Após intervenção, venezuelanos ficam horas em filas à espera de produtos mais baratos
Claro que esses movimentos tiveram muita importância, ao marcarem o começo da queda do presidente chileno. Vale lembrar que ele começou 2011 com o auge da sua popularidade (tinha 67% de aprovação), fruto principalmente do resgate dos mineiros soterrados em Atacama, em outubro do ano anterior. Foi a grande façanha deste governo, e o tornou símbolo de um país que superava até os desafios que pareciam impossíveis.
Victor Farinelli/Opera Mundi
Lixo acumulado: Chile passou por outros problemas de gestão nesta semana, com a greve de funcionários públicos
Algo que era reforçado pelo fato de que o país havia sofrido um forte terremoto poucos meses antes, sendo necessária a reconstrução total de casas e edifícios destruídos. Tal projeto, porém, também foi cercado de críticas, devido às suspeitas de desvio de verbas e manipulação de cifras, exagerando o total de casas reconstruídas.
Apesar de tentar passar a imagem oposta, Piñera deverá entrar para a história do Chile como um presidente errático e com pouca capacidade de gestão. Mais do que isso, seus erros têm atrapalhado a governista Evelyn Matthei, cuja candidatura não decola e, brigando pelo segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, tenta impedir a vitória de Michelle Bachelet já no próximo domingo, 17 de novembro.