O governo do Paraguai demitiu nesta quarta-feira (29/11) uma autoridade de alto escalão por ter assinado um documento de cooperação com os Estados Unidos de Kailasa, um país inexistente cujo líder foi acusado de assédio e abuso sexual.
Arnaldo Chamorro, chefe de gabinete do Ministério da Agricultura e Pecuária do Paraguai, foi substituído após ter sido descoberto um documento firmado por ele no qual expressava “o desejo sincero e a recomendação de que o governo do Paraguai considere, explore e busque ativamente o estabelecimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos de Kailasa”.
O documento também defende que o Paraguai “apoie a admissão dos Estados Unidos de Kailasa como um estado soberano independente em várias organizações internacionais, como, entre outras, a Organização das Nações Unidas (ONU)”.
O documento é datado de 16 de outubro de 2023 e afirma que Kailasa é “uma nação de civilização hindu iluminada estabelecida para atender às necessidades religiosas e espirituais de dois bilhões de hindus e de toda a humanidade e todos os seres”.
Entrevistado na quarta-feira pela rádio ABC Cardinal, Chamorro admitiu que não sabia onde o suposto país estava localizado.
“Eles vieram e expressaram sua intenção de ajudar o Paraguai, trouxeram vários projetos de ajuda para o setor agrícola, vieram oferecer sua ajuda, nós os ouvimos e foi isso”, disse ele, horas antes de ser demitido de seu cargo.
Após a notícia da assinatura desse acordo, o Ministério da Agricultura e Pecuária disse em um comunicado oficial que ele “não pode ser considerado um documento oficial” porque os procedimentos legais não foram cumpridos e, portanto, não é válido.
A nota acrescenta que Chamorro agiu “sem nenhuma autorização” e não tinha “nenhuma competência” para fazê-lo, e indica que, em seu lugar, foi nomeado Miguel Paredes, de forma interina.
Os supostos representantes da Kailasa também assinaram acordos com o município paraguaio de Maria Antonia.
Estados Unidos de Kailasa
A fraude dos Estados Unidos de Kailasa chegou à ONU em fevereiro deste ano, quando seus representantes participaram de sessões de dois debates da ONU.
Isso causou alvoroço e forçou a ONU a garantir que ignoraria as declarações feitas por representantes do país fictício perante dois de seus órgãos em Genebra, na Suíça.
A aparição do país inexistente na ONU não passou despercebida na Índia, onde foi noticiada pela mídia e se tornou viral nas redes sociais. O primeiro evento em que os funcionários do estado inexistente conseguiram entrar sorrateiramente foi um debate sobre a representação das mulheres nos sistemas de tomada de decisão, organizado pelo Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (CEDAW) em 22 de fevereiro.
El Nacional do Paraguai
Arnaldo Chamorro e os supostos representantes do país inexistente em assinatura de acordo comercial
Dois dias depois, os chamados diplomatas também abriram espaço para uma discussão sobre desenvolvimento sustentável, organizada pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR).
Um vídeo no site da ONU sobre a segunda sessão mostra que, quando os participantes são convidados a fazer perguntas, uma mulher que se apresenta como Vijayapriya Nithyananda, “a embaixadora permanente dos Estados Unidos de Kailasa”, diz que quer perguntar sobre “direitos indígenas e desenvolvimento sustentável”.
A mulher descreveu Kailasa como o “primeiro estado soberano para os hindus” estabelecido por Nithyananda, o “pontífice supremo do hinduísmo”. Ela também afirmou que o país foi “bem sucedido no desenvolvimento sustentável” porque forneceu necessidades como alimentação, moradia e assistência médica gratuita a todos os seus cidadãos.
A suposta embaixadora, por sua vez, pediu medidas para “acabar com a perseguição” contra Nithyananda e o povo de Kailasa.
Vivian Kwok, oficial de mídia do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, atribuiu o incidente ao fato de que tais diálogos são reuniões públicas e abertas a qualquer pessoa interessada.
Outro episódio inusitado aconteceu em março deste ano, quando a prefeitura de Newark, no estado norte-americano de Nova Jersey, reconheceu que havia sido enganada ao assinar um acordo de parceria com Kailasa, situação similar à ocorrida esta semana no Paraguai.
Quem é o líder do país fictício?
Nithyananda Paramashivam, também conhecido como Paramahamsa Nithyananda ou simplesmente Nithyananda, tem 45 anos de idade.
Ele fundou seu ashram – um local de meditação e educação hindu – em 2003, em Bidadi, um vilarejo no sul da Índia, próximo à cidade de Bangalore.
Logo depois, abriu uma filial em Los Angeles, com o nome de Life Bliss Foundation.
Uma discípula o denunciou por estupro na Índia em 2010, após o que ele foi preso por um breve período antes de ser libertado sob fiança. Ele foi acusado em um tribunal em 2018.
Dias antes de deixar o país, outra denúncia criminal também o acusou de sequestrar e prender crianças em seu ashram no estado de Gujarat, no oeste do país.
Ele fugiu da Índia em 2019 e não está claro como e para onde ele fugiu.
Naquele mesmo ano, ele alegou ter comprado uma ilha na costa do Equador e fundado um novo país chamado Kailasa, em homenagem a uma montanha do Himalaia que é considerada a morada do deus hindu Shiva.
Na época, o Equador negou que ele estivesse no país e disse que “Nithyananda não recebeu asilo do Equador nem foi auxiliado pelo governo do Equador”.
Kailasa afirma ter uma bandeira, uma constituição, um banco central, um passaporte e um emblema nacional.
Nithyananda não tem feito aparições públicas desde 2019, embora vídeos de seus sermões sejam publicados periodicamente em suas mídias sociais.
Com informações de El Mostrador.