O Parlamento da Espanha adota de forma definitiva, nesta quinta-feira (16/02), a lei que dará aos espanhóis a possibilidade de mudar de gênero a partir de 16 anos. Defendida pela esquerda, a legislação permitirá a mudança em documentos de identidade por meio de uma simples declaração administrativa e foi aprovada enquanto outros países europeus freiam a adoção dessa medida.
O projeto de lei também fortalece o acesso ao aborto em hospitais públicos e a interrupção da gravidez sem o consentimento dos pais, a partir de 16 anos, além de criar uma licença médica durante o período menstrual.
O chamado projeto de lei “transgênero”, defendido pelo partido de esquerda radical Podemos, aliado dos socialistas no governo de Pedro Sánchez, foi aprovado no Senado, na semana passada, com algumas modificações.
A partir de agora, não será mais necessário fornecer laudos médicos atestando disforia de gênero e comprovação de tratamento hormonal por dois anos, como ocorre atualmente.
O texto, aprovado no final de dezembro em primeira instância, também estenderá esse direito aos jovens de 14 a 16 anos, desde que acompanhados no processo por seus responsáveis legais, bem como aos de 12 a 14 anos, se obtiverem o sinal verde da Justiça.
A Espanha se juntará aos poucos países do mundo que autorizam a autodeterminação de gênero por meio de uma simples declaração, como a Dinamarca, a primeiro nação a conceder esse direito na Europa a pessoas transexuais, em 2014.
“A Espanha é um país que pode se orgulhar hoje por promover direitos e se tornar uma sociedade melhor”, disse a ministra da Igualdade, Irene Montero, integrante do Podemos.
O debate sobre a disforia de gênero, ou seja, o desconforto causado pela incompatibilidade entre o sexo biológico de uma pessoa e o gênero com o qual ela se identifica, ganhou força em muitos países nos últimos anos com o aumento dos pedidos de transição, principalmente entre menores de idade.
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Lei foi aprovada enquanto outros países europeus freiam a adoção dessa medida
Maior cautela em outros países
Porém, a aprovação na Espanha acontece em um momento em que vários países, até então na vanguarda do assunto, questionam o assunto ou até recusam a medida.
Na Suécia, as autoridades decidiram, há um ano, acabar com a terapia hormonal para menores, exceto em casos muito raros, citando a necessidade de “cautela”. Os suecos também passaram a restringir drasticamente o uso de remoção de seios para meninas adolescentes.
Na Finlândia, uma decisão semelhante foi adotada em 2020 sobre terapia hormonal, enquanto na França, a Academia de Medicina pediu “grande cautela médica” no tratamento de pacientes jovens e “maior reserva” em tratamentos hormonais.
O Reino Unido bloqueou, no mês passado, uma lei escocesa sobre os direitos dos transgêneros semelhante à da Espanha, adotada no final de dezembro pelo Parlamento de Edimburgo, após um debate acalorado. O episódio enfraqueceu a primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, que anunciou sua renúncia na quarta-feira (15/02).
Na Espanha, o projeto de lei “trans” provocou profundas divisões na esquerda e no próprio movimento feminista, enquanto o país se prepara para as eleições gerais deste ano. Algumas feministas acreditam que a noção de autodeterminação de gênero põe em risco décadas de luta pela igualdade de gênero.”Afirmar que o gênero está acima do sexo biológico (…) me parece um retrocesso”, denunciou a ex-número dois do governo Sánchez, Carmen Calvo.
Os socialistas tentaram emendar o texto para estender a obrigatoriedade do sinal verde da Justiça aos jovens de 14 a 16 anos, mas não encontraram apoio suficiente no Parlamento.
Além do Partido Podemos, o texto é defendido pela maior organização LGBT da Espanha, FELGBTI+, que espera, segundo seu presidente Uge Sangil, que essa lei “encoraje outros países a seguirem o exemplo”.
Alerta da ONU
Em entrevista ao jornal El Mundo de Madri, Rim Alsalem, relator especial da ONU sobre violência contra a mulher, fez um alerta. “Abrir esta porta” da transição de gênero “sem restrições para as crianças me parece precipitado” e “muito perigoso”.
Durante a sessão desta quinta-feira, os parlamentares da Espanha também aprovarão outra lei criando a “licença menstrual” para mulheres que sofrem com ciclos muito doloridos, a primeira na Europa que garante esse direito