Atualizada às 11h43
A Espanha entregou no último mês de dezembro uma proposta à ONU (Organização das Nações Unidas) para alargar sua plataforma continental e incluiu no projeto as Ilhas Selvagens, localizada no oceano Atlântico, que pertencem a Portugal e supostamente possuem reservas de gás natural. O governo português tenta minimizar qualquer conflito. Mas as relações entre os vizinhos, mesmo nos momentos mais calmos, nunca são totalmente tranquilas.
Madri reivindica a soberania de uma área de 296,5 quilômetros e dentro deste limite estão as Ilhas Selvagens (composta pela Selvagem Grande e Selvagem Pequena) – que possuem cerca de dez mil quilômetros quadrados e faz parte da Ilha da Madeira, apesar de estarem mais próximas das Ilhas Canárias. Os espanhóis argumentam que o território não é uma ilha, como alega Lisboa, mas apenas rochedos.
Assim como Madri, Lisboa aguarda desde 2009 uma deliberação da ONU sobre a sua proposta para ampliação da sua zona econômica exclusiva (ZEE) de 200 para 350 milhas desde as fronteiras terrestres, na qual compreende a algumas áreas semelhantes.
Reprodução/Google Maps
Ponto vermelho mostra localização das Ilhas Selvagens, no Oceano Atlântico
“[A proposta espanhola] É a maior ampliação de soberania desde Cristóvão Colombo”, disse Luís Somoza Losada, coordenador da missão de expansão marítima espanhola, ao jornal El País. Losada garante que há gás natural na ilha, porém não sabe se é rentável extraí-lo, e acredita que na possibilidade de haver petróleo também.
Contatado por Opera Mundi, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português não se pronunciou até o fechamento desta matéria. Contudo, o Ministério comunicou à imprensa local que as extensões das plataformas marítimas dependem unicamente das Nações Unidas e que uma sobreposição deve ser negociada bilateralmente.
Segundo o falecido etnólogo português, Jorge Dias, nos estudos sobre “Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa”, na década de 1950, Portugal deve muito de sua permanência e unificação como nação ao mar.
Leia também: Haia aceita tese chilena, mas muda ângulo da fronteira marítima em favor do Peru
Amparo Sereno, professora e investigadora luso-espanhola do Centro de Estudos Jurídicos Econômicos e Ambientais (CEJEA) da Universidade Lusíada de Lisboa, explica que, outrora, Portugal era visto como um país moderno e rico em patrimônio histórico, cultural e natural, especialmente marítimo. Atualmente, por causa da crise e consequentemente da austeridade, Portugal foi levado a “cair na realidade e começar a contemplar-se como um país endividado, pequeno e periférico”.
Para a investigadora, a Espanha tem problemas mais graves em relação a fronteiras marítimas na zona de Gibraltar, por exemplo, do que com Portugal, logo acredita que a diplomacia espanhola não deve criar problemas com os lusos. Entretanto, isso poderia mudar “se houvesse uma descoberta de petróleo ou outros recursos geológicos valiosos na zona”.
Selvagens: cronologia
O imbróglio a respeito das Ilhas Selvagens remonta ao ano de 1911, quando Madri tentou incorporar o arquipélago às Ilhas Canárias, mas um acordo impediu o avanço espanhol. Em 1938, a Comissão Permanente de Direito Marítimo Internacional confirmou a soberania portuguesa das ilhas.
NULL
NULL
Em 1972, duas embarcações de pesca espanholas foram apreendidas nas ilhas. Três anos depois, espanhóis das Ilhas Canárias supostamente sem apoio do governo hastearam uma bandeira da Espanha na Selvagem Grande. No ano seguinte, outra embarcação de pesca foi apreendida.
Mário Soares se tornou o primeiro presidente português a visitar as ilhas, com o objetivo de reafirmação da soberania nacional, em 1991. Cinco anos depois, um helicóptero da Força Aérea espanhola simulou uma aterrisagem, o que provocou queixas formais de Lisboa e pedido de desculpas por parte de Madri.
Em 2002, as Selvagens apareceram “anexadas” às Ilhas Canárias no site da Comissão Europeia. Lisboa apresenta protesto. No ano seguinte, o então presidente de Portugal, Jorge Sampaio, também visitou as ilhas com a mesma finalidade.
Presidência de Portugal
Cavaco Silva, presidente de Portugal, visitou as ilhas em 2013
Em junho de 2005, quatro barcos de pesca espanhóis foram detidos a 28 milhas náuticas ao sul das ilhas. Poucos dias depois, um biólogo e um dos guardas da reserva, ambos portugueses, são ameaçados com armas brancas por pescadores espanhóis. Uma unidade da marinha portuguesa é deslocada até a ilha, durante um mês, para dirimir a caça ilegal de espécies protegidas. Em 2009, Jaime da Gama se tornou o terceiro presidente português a visitar a ilha.
Em julho de 2013, a Espanha enviou carta reclamando oficialmente à ONU que as Ilhas Selvagens são apenas rochas e não pertencem a Portugal. Treze dias depois, o presidente de Portugal, Cavaco Silva, desembarcou nas ilhas para reafirmar soberania.
Água, Portugal e Espanha: uma relação conflituosa
As relações conflituosas entre Lisboa e Madri não se restringem às Ilhas Selvagens, embora normalmente estas sejam veladas e com as águas como pano de fundo. A Convenção de Albufeira e o naufrágio do petroleiro Prestige são exemplos de confrontos que ocorreram no século XXI.
Leia também: Escândalos de corrupção e políticos presos: em 2014, Portugal saiu da troika e entrou na Justiça
Zonas econômicas à parte, Portugal e Espanha formalizaram a Convenção de Albufeira, em 1998, com o objetivo de regulariza o aproveitamento hidráulico dos troços dos rios ibéricos. Dez anos mais tarde, o acordo foi revisto para garantir maior cooperação na proteção das utilizações sustentáveis das bacias hidrográficas e definir limites.
Contudo, nem mesmo a formalidade foi capaz de evitar desentendimentos entre os vizinhos. Em 2010, Portugal suspeitou de que o vizinho possuía um plano para desviar água dos rios Tejo e Guardiana. Após o atrito entre os dois governos, a situação se apaziguou.
Anos antes, em 2002, o naufrágio do navio petroleiro Pestrige entre o norte de Portugal e a região espanhola da Galícia causou desentendimentos. Ambos se eximiram de responsabilidades e trocaram acusações, enquanto a mancha de petróleo provocava um desastre ambiental, considerado o maior da Espanha.