Os relatórios sobre tortura que a Casa Branca vêm divulgando causam intenso bate-boca nos Estados Unidos envolvendo parlamentares e a CIA, a agência de inteligência do país. A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, acusou a CIA de enganar o Congresso, fornecendo informações erradas e incompletas sobre as técnicas agressivas de interrogatório usadas com acusados de terrorismo. Republicanos e membros da CIA alegam que ela sabia de tudo e, portanto, é cúmplice das violações de direitos humanos.
Nancy, aliada do presidente Barack Obama, fez a denúncia ontem (14) durante uma entrevista coletiva após a divulgação de quatro relatórios mostrando que os interrogadores estavam autorizados a manter os detentos de pé durante horas, fechá-los numa caixa pequena com insetos, empurrá-los contra paredes e simular afogamento.
A deputada acusa a CIA de ter negado a utilização desses métodos em 2002 e diz que por causa disso, não ficou sabendo da utilização desses métodos até ontem. Segundo ela, outros congressistas receberam uma informação diferente após alguns meses. “Eu não fui informada. Me disseram que outras pessoas haviam sido informadas sobre isso”.
A polêmica existe desde o final de abril, quando a CIA começou a divulgar os relatórios e alguns líderes da oposição afirmaram que Nancy e outros políticos democratas sabiam, desde 2002, do uso do método de simulação de afogamento, e não fizeram nada para mudar a situação. A líder da Câmara rejeitou as acusações de que seria cúmplice dos maus-tratos.
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Nancy afirma que em setembro de 2002, quando era a principal representante democrata na Comissão dos Serviços Secretos da Câmara, foi informada pelo Departamento de Justiça da CIA que “especificamente” a simulação de afogamento não estava sendo feita. Os conselheiros jurídicos do então presidente George W. Bush haviam chegado à conclusão de que esses métodos eram legais e não estavam sendo utilizados.
Democratas e republicanos
O líder republicano na Câmara, John Boehner, discorda de Nancy e diz ter certeza de que os democratas estavam cientes das torturas. A deputada afirma que os republicanos estão tentando desviar as atenções. Estas acusações, acrescentou ela, “visam proteger aqueles que conceberam, desenvolveram ou implementaram estas práticas”.
Os democratas atuam nos tribunais e numa comissão do Senado tentando provar que a técnica de interrogatório não ajudou nas investigações e é preciso apurar quem autorizou o uso. Os republicanos tentam provar que a simulação de afogamento trouxe informações sobre a Al Qaeda e que alguns democratas, inclusive Nancy Pelosi, sabiam de seu uso e nada fizeram, o que os tornariam cúmplices.
Relatórios da CIA
Pouco depois do pronunciamento, um porta-voz da CIA não confirmou nem contestou a acusação. Ele apenas disse que “enganar o Congresso não é uma prática da CIA”. Já o diretor Leon Panetta declarou: “Vamos ser claros. Não é nosso hábito enganar legisladores federais. Esqueçam o burburinho e se concentrem no vosso trabalho”.
Os registros da CIA mostram que Nancy participou de apenas um encontro sobre o assunto com a cúpula do serviço de espionagem internacional dos Estados Unidos, justamente a reunião na qual ela afirma ter sido informada de que a simulação de afogamento não estava sendo usada. Embora, segundo ela, a simulação de afogamento tenha sido citada nessa conversas. O documento da CIA sobre a reunião não deixa claro o que foi dito durante o encontro. Nancy pediu que a CIA publique o resumo dos relatórios distribuídos aos parlamentares naquela época.
Obama
Até o momento, o presidente não se pronunciou. Segundo a imprensa local, com a divulgação dos relatórios aumenta a pressão do Congresso para que Obama investigue e abra processos criminais contra os responsáveis pelas torturas na administração anterior.
Em um breve comunicado distribuído hoje (15) na Casa Branca, o presidente declarou que os julgamentos nos tribunais militares para suspeitos de terrorismo detidos na base de Guantánamo serão retomados.
“A tradição dos sistemas militares é apropriada para processar os inimigos que violam as leis de guerra, se estiverem bem estruturadas e administradas”, afirmou Obama, ao apresentar as mudanças.
O fechamento do campo de prisioneiros de Guantánamo foi uma das principais promessas de Obama durante a campanha presidencial. No dia 22 de janeiro, ele ordenou a suspensão dos processos judiciais.
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O presidente garantiu que, a partir da reativação, os tribunais serão diferentes; entre as mudanças apresentadas sem detalhes: os acusados poderão escolher os próprios advogados, nas acusações, não poderão ser utilizadas provas obtidas por meio de interrogatórios que envolvem técnicas de tortura, não serão usadas provas obtidas por meio de testemunhas indiretas e estará garantida proteção aos prisioneiros que não quiserem testemunhar nos tribunais.
Ainda não foram garantidos todos os direitos dados pela Constituição norte-americana, isto é, não há garantia de que os réus terão a mesma proteção que teriam em cortes civis. Segundo o jornal New York Times, Obama vai apresentar ao Congresso na próxima semana um plano detalhado para fechar a prisão.
Os julgamentos militares não serão retomados imediatamente, porque as comissões voltarão a trabalhar em quatro meses, enquanto são ajustados os detalhes legais para garantir mais direito aos processados. Dos 240 presos em Guantánamo, cerca de 20 têm processos iniciados nos tribunais militares e nos tribunais federais.
Ainda não foi definido para onde irão os presos após o fechamento. O presidente já levantou a hipótese de construir uma prisão nos Estados Unidos. Essa atitude seria ilegal, já que muitos presos não foram acusados e a constituição impede que uma pessoa seja presa sem autorização judicial.
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