Após um encontro em Caracas, em novembro de 2022, e outro na Cidade do México, em março deste ano, agora as delegações de paz entre o governo da Colômbia e a maior guerrilha em atividade no país, o Exército de Libertação Nacional (ELN) retornam à Havana, capital de Cuba.
A terceira rodada de negociações retomou nesta terça-feira (02/05). No entanto, esse encontro apresenta uma nova configuração: o governo colombiano chega à mesa de diálogo em meio a uma reorganização interna, enquanto o ELN pressiona até o limite da ruptura da negociação.
Com um intervalo de 45 dias, os diálogos inicialmente previstos para 26 de abril foram adiados após o presidente Gustavo Petro anunciar sua primeira reforma ministerial, mudando os chefes de sete pastas.
Além disso, Petro deu fim à coalizão com partidos que não apoiaram sua reforma da saúde. O projeto de lei busca implementar um sistema público de atenção primária a nível nacional. A bancada governista é liderada pelo Pacto Histórico, que se aliou a partidos tradicionais, como os Liberais, para garantir a maioria nas duas casas do Legislativo.
Iván Cepeda, membro da Comissão de Paz no Senado e ex-mediador dos diálogos com a extinta FARC-EP, defendeu em sua coluna semanal que a paz total, assim como um grande acordo nacional, não são uma opção, mas “a única saída realista e viável para o país”.
Para o 1º comandante do ELN, Eliécer Herlinto Chamorro, a ação do governo em adiar o encontro de abril demonstra algo já histórico, pois, segundo ele, ‘sempre foram os governantes que se levantaram das mesas de diálogo’. A Opera Mundi, “Antonio García”, como é conhecido o comandante, afirma que o cessar-fogo bilateral nunca foi pactuado e a ação da guerrilha teria sido uma resposta a execuções de seus combatentes.
O ELN estabeleceu negociações com seis governos e é a maior guerrilha em atividade na Colômbia, com cerca de 2,3 mil militantes em 200 municípios, segundo a Fundação Paz e Reconciliação (Pares). Em março deste ano, a guerrilha bombardeou uma base militar no departamento norte de Santander, o que colocou em risco a continuidade das negociações com o Executivo.
“O Estado colombiano não tem uma política de paz, só vê a paz como um gerenciamento de oportunidades, não há cálculo estratégico de país ou de nação”, disse ele.
Leia a entrevista na íntegra de Opera Mundi com Eliécer Herlinto Chamorro:
Opera Mundi: Após uma série de troca de farpas entre o comando do ELN e o governo, Petro ameaçou romper a mesa de negociações. Em nota, vocês acusam o Executivo de tentar “impor uma agenda”.
Há futuro para a paz? O que a guerrilha fará se o diálogo for interrompido?
Eliécer Herlinto Chamorro: O ELN manteve uma linha crítica ao governo, porque considera que não houve um reconhecimento oficial do que foi pactuado na Mesa de Diálogo.
É positivo que se permita corrigir erros que poderiam gerar danos ainda maiores. Em qualquer diálogo, que busque solucionar um conflito armado, não estamos isentos de dificuldades. O ELN jamais se levantou de uma mesa de diálogos, sempre foram os governantes e isso está documentado.
Romper com as negociações não é um cenário previsto pelo ELN, porque nós sentamos à mesa para construir acordos.
Reprodução/ @BrunoRguezP
Terceira rodada de negociações entre grupo armado e o governo da Colômbia aconteceu em Havana
O Exército colombiano os acusa de ter realizado um ataque contra um batalhão na cidade de El Carmen, norte de Santander, no dia 29 de março, deixando dez mortos. O ELN reconhece o bombardeio? E a que se deu a ação?
O ELN realizou um cessar-fogo unilateral durante Natal e Ano Novo, já que diversas organizações nacionais e internacionais haviam solicitado. Foi um ato de boa fé, mas as Forças Armadas e a Polícia aproveitaram este gesto e realizaram uma série de operações militares contra as nossas unidades.
No dia 28 de janeiro, atacaram uma unidade nossa na zona rural de Buenaventura. Após desarmar sete companheiros nossos, ao invés de prendê-los, a Polícia os assassinou. É algo que a Justiça terá que julgar, pois trata-se de um crime de guerra. Ainda em janeiro, em Antioquia, um companheiro foi capturado e assassinado. Isso durante o recesso da mesa de diálogos.
Está claro para todos de que não há um acordo de cessar-fogo, portanto ambas partes podem atuar militarmente, mas devemos analisar o comportamento de cada lado e veremos que não é igual e que estão tergiversando os fatos na imprensa.
Durante o Conselho Nacional de Paz, Reconciliação e Convivência, o presidente Petro disse que não há dinheiro para a restituição das vítimas, segundo previam os acordos com a extinta FARC-EP. O governo poderá implementar sua política de “paz total”?
O Estado colombiano não tem uma política de paz, só vê a paz como um gerenciamento de oportunidades, não há cálculo estratégico de país ou de nação. Para o poder político e econômico só se tratava e se trata da busca pelo desarmamento da guerrilha para ter melhores oportunidades de investimento estrangeiro, mas sem solucionar o problema das maiorias.
Como é possível que digam agora que não há dinheiro para reparar as vítimas? A “paz total” é um improviso do ponto de vista conceitual e prático, assim como os instrumentos governamentais criados a partir deste plano. Na prática, não aglutinou experiências anteriores e tampouco se abriu a construir políticas com outros campos.
Apesar disso, o ELN está trabalhando de maneira construtiva com a participação da sociedade para que façamos da Colômbia um país mais democrático, inclusivo e com justiça social.
Qual é a importância de Brasil e Venezuela, que compartilham a Amazônia e mais de 4 mil km de fronteiras com a Colômbia, sejam garantidores do diálogo de paz?
Brasil e Venezuela são os olhos da comunidade internacional nestas negociações e, de uma maneira ou outra, permitem certo equilíbrio no processo.
Participar de um processo de paz, no qual os vizinhos também participam, gera sinergias entres os países e, portanto, benefícios para a região, desde que priorizem o interesse pela paz e não por negócios.
Alguns movimentos populares afirmam que as obras da chamada “Linha Verde”, financiadas pelos Estados Unidos, na Ilha Gorgona, dão brecha para a construção da 9ª base militar do Pentágono na Colômbia. O governo Petro conseguirá limitar o avanço das bases norte-americanas sobre o território colombiano?
Petro já enviou uma mensagem confusa quando convidou o Comando Sul para vigiar a Amazônia. Na Colômbia a intervenção militar gringa [norte-americana] esteve presente de maneira permanente e continua estando. Não precisa de “bases”, todas as instalações militares e policiais são usadas para planejar e realizar operações.