A diretora da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard (EUA), Martha L. Minow, declarou, por meio de uma carta divulgada na última sexta-feira (04/03), ser a favor de que a faculdade deixe de usar o brasão que a representa. O símbolo, que representa três fardos de trigo, remete à família do senhor de escravos Isaac Royall Jr., cuja doação no século 18 fundou a primeira cátedra de Direito na universidade.
NKCPhoto/Flickr
Pleiteada há meses por um grupo estudantil de Direito de Harvard, retirada de brasão é controversa entre membros da faculdade
Minow afirma na carta que anualmente recebe os novos estudantes com uma discussão a respeito de Royall, na qual pontua que “enquanto Harvard agiu legalmente ao aceitar a doação na época, é crucial que não nos limitemos apenas ao que é atualmente legal, pois o grande mal da escravidão ocorreu dentro da lei”. A carta de Minow era dirigida à presidente de Harvard (equivalente ao cargo de reitora), Drew Gilpin Faust, e aos demais membros do colegiado que administra a universidade.
Este debate se intensificou na faculdade após fitas adesivas pretas colocadas por ativistas para cobrir os fardos de trigo de brasões da faculdade terem sido removidas e colocadas em cima das fotos de professores negros em novembro do ano passado. Foi então formado um comitê com estudantes, funcionários e ex-alunos para discutir a situação. O grupo, que segundo Minow ouviu mais de 1.000 pessoas vinculadas à faculdade e discutiu internamente, se mostrou favorável à retirada do brasão por 10 votos a 2.
This is my portrait at the Harvard Law School. All faculty of color woke up to the same thing this morning. pic.twitter.com/T0HLbBYt6Y
— Ronald S. Sullivan (@ProfRonSullivan) 19 de novembro de 2015
Annette Gordon-Reed, professora de Direito e História de Harvard, discorda da retirada do brasão e é citada na carta. Ela, que é negra, argumenta que o símbolo deveria ser mantido e ressignificado “a fim de manter viva a memória das pessoas cuja labuta deu a Isaac Royall os recursos para comprar a terra cuja venda ajudou a fundar a Faculdade de Direito de Harvard”.
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“Manter o atual brasão, e ligá-lo a uma narrativa interpretativa historicamente prudente, iria ser o modo mais honesto de assegurar que a verdadeira história de nossas origens e a conexão com as pessoas que deveríamos ver como nossas progenitoras (as pessoas escravizadas nas plantações de Royall, e não Isaac Royall) não sejam perdidas”, declarou Gordon-Reed.
Para A. J. Clayborne, um dos porta-vozes do grupo estudantil Royall Must Fall (“Royall precisa cair”, em tradução livre), manter o brasão significa “essencialmente preservar o legado de um senhor de escravos” e provoca “desgaste emocional diário a minorias da faculdade”. Clayborne elogiou a postura da diretora Minow. O grupo pede a retirada do brasão desde outubro de 2015, inspirado em movimento similar promovido por estudantes da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, que após semanas de protestos conseguiram retirar a estátua do colonialista Cecil Rhodes do campus universitário.
Para que ocorra a retirada do brasão da faculdade norte-americana, que é inspirado no da família Royall, a medida precisa ser aprovada pela presidente de Harvard e o colegiado. “Acredito que se você apagar todo o passado, é muito fácil se sentir inocente”, disse a presidente Faust em janeiro, em referência à modificação de nomes e símbolos da universidade que remetem a senhores de escravos.
“Se o colegiado concordar com a recomendação [de retirar o brasão], a preparação para o bicentenário da Faculdade em 2017 nos dá a oportunidade para recomendar um novo símbolo que represente nossa missão e nossos valores seguindo em frente”, disse Minow na carta.