Ao som da rumba “Caraquenha”, executada pela Orquestra Nacional da Escola Militar Bolivariana da Venezuela, o presidente da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), Diosdado Cabello, subiu ao palco do teatro Teresa Carreño, no centro de Caracas, nesta quarta-feira (13/02) para comandar mais uma edição de seu programa televisivo transmitido ao vivo pela emissora estatal VTV para todo país.
“Juventude chavista invencível”, gritava o histórico líder do Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV) diante de uma plateia que reagia às palavras de ordem com empolgação. Além de militantes e apoiadores do governo, a audiência era formada essencialmente por membros das Forças Armadas e mais de 200 jovens cadetes da Escola Militar, uma presença importante, segundo Cabello, na semana em que se comemora o Dia da Juventude no país.
Durante as 4 horas de duração do “Con el Mazo Dando”, algo como “batendo com o bastão” em português, o ex-militar, que já foi ministro da Moradia no governo de Hugo Chávez, rechaçou a atitude intervencionista dos Estados Unidos, criticou a oposição de direita da Venezuela e classificou o autoproclamado presidente interino do país, Juan Guaidó, como uma mentira.
“Guaidó quer parecer Obama, com as mangas da camisa levantadas, o paletó sem gravata… marketing, coração zero, tudo é puro marketing”, disse Cabello.
Enquanto comentava notícias que foram publicadas na última semana difamando a Venezuela, o presidente da ANC ironizou a promessa feita por Guaidó de que a “ajuda humanitária” chegaria ao país até o dia 23 de fevereiro, dizendo que “agora tudo vai acontecer no dia 23, resta saber de qual ano”.
Segundo o governo venezuelano, a “ajuda humanitária” enviada pelos EUA, que entraria no país pela fronteira com a Colômbia, é um pretexto para o intervencionismo norte-americano.
Durante o intervalo, em que a audiência se reuniu no saguão do teatro para comer, beber e fumar, um dos espectadores do programa disse que Cabello faz piadas o tempo todo e “usa o humor para explicar para as pessoas a verdadeira situação política da Venezuela”. Situação esta que se agravou quando o escolhido para a presidência rotativa do Parlamento venezuelano, Juan Guaidó, deputado do partido de direita Vontade Popular, se autoproclamou presidente interino da Venezuela, no dia 23 de janeiro, durante manifestações da oposição.
Em uma tentativa de golpe de Estado, o parlamentar foi reconhecido no mesmo dia como mandatário interino por países como Estados Unidos, Brasil, Canadá, Colômbia, Peru e Paraguai. Dias depois, vieram o reconhecimento de países da União Europeia como França e Reino Unido.
Desde então, Guaidó tem se dirigido a governos estrangeiros pedindo auxílio na derrubada do presidente Nicolás Maduro e tenta, sem sucesso, criar dissidências dentro das Forças Armadas, cujo lema é “leais, sempre; traidores, nunca”.
“O povo bolivariano e as Forças Armadas são indestrutíveis na Venezuela. Se aqui houver quinta-coluna, nós trataremos como inimigo de guerra”, disse Cabello, aplaudido de pé pela plateia chavista.
De acordo com membros do governo e vários militantes e apoiadores de Maduro, o que a oposição mais tenta quebrar é a “união cívico-militar”, um pilar construído pela Revolução Bolivariana que consiste no elo forte entre população civil e Forças Armadas. A constante presença de oficiais do Exército ou autoridades policiais nas ruas e, especialmente, em sedes de programas sociais, evidencia a prática.
“Guaidó recebe ordens de Bolton”
O líder chavista também não poupou críticas ao governo norte-americano. Sentado atrás de sua bancada com um grande bastão que ilustra o nome do programa, Cabello leu uma notícia em que o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, ameaça Maduro e diz que o povo venezuelano poderá sofrer, caso a ajuda humanitária não chegue.
“John Bolton é um dos que dá ordens a Guaidó. Os Estados Unidos foram os que levaram o terror para todas as partes do mundo”, afirmou.
Entretanto, a relação entre os dois países não é apenas de ameaças no Twitter e manchetes. Desde 2013, durante a administração Obama, os EUA impuseram sanções econômicas contra a Venezuela, que só tem aumentado nos últimos anos, ao ponto de alguns analistas classificarem as medidas como um bloqueio econômico.
Segundo dados do Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (Celag), o prejuízo causado pelas sanções impostas pelos EUA contra a Venezuela chega a 350 bilhões de dólares em produção de bens e serviços, no período entre 2013 e 2017.
Ainda de acordo com o estudo, a Venezuela poderia ter um crescimento do PIB maior que o da Argentina se Maduro pudesse ter acessado as mesmas linhas de crédito internacionais que o mandatário argentino, Mauricio Macri, teve nos primeiros três anos de mandato.
“O bloqueio se baseou na expulsão do país dos mercados financeiros internacionais, impedindo a Venezuela de recorrer ao mercado de créditos tanto para renovar vencimentos como para realizar novos investimentos”, aponta o Celag.
Contudo, o quadro econômico, a tentativa de golpe e a ameaça estrangeira não parece abater os ânimos de quadros chavistas como Cabello e sua plateia. Grandes imagens de Bolívar, Chávez e Maduro compõe o cenário do programa que transmite confiança aos espectadores, e chama a população a resistir, lembrando a todo momento “a memória do comandante”.
Os militares e a população acreditam no elo forte que os une, afirma um apoiador do governo que garante que “a direita nunca irá voltar ao poder nesse país, porque eles não tem um projeto, não fazem política”.
“A oposição comete os mesmos erros do passado”, assumindo o caminho “do golpismo e da violência. Nós não queremos enfrentamentos, queremos paz, Não ameaçamos ninguém, nós ganhamos eleições”, disse Cabello.
Lucas Estanislau | Opera Mundi
Diosdado Cabello é ex-militar e apresenta o programa televisivo "Con el Mazo Dando" há 5 anos