A campanha eleitoral do então deputado Jair Bolsonaro à presidência do Brasil, em 2018, utilizou a internet para espalhar desinformação e notícias falsas para persuadir eleitores. A declaração foi dada por Brittany Kaiser, especialista em relações internacionais e ex-funcionária da Cambridge Analytica, empresa de consultoria política britânica, em entrevista à revista Veja publicada na última sexta-feira (17/01).
Kaiser afirmou que o presidente brasileiro utilizou métodos “muito parecidos” com a campanha de Donald Trump, mandatário dos Estados Unidos. “A campanha dele [Jair Bolsonaro] usou a internet para espalhar desinformação, viralizar notícias mentirosas, persuadir eleitores”, disse.
“É óbvio que o presidente Jair Bolsonaro se apoiou nessa estratégia para se eleger. A Cambridge Analytica, depois de todos os escândalos, teve dificuldade para operar em solo brasileiro. Todavia, muitas empresas similares fizeram isso em favor de Bolsonaro”, afirmou.
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A especialista, que foi contratada pela Cambridge Analytica como diretora de negócios, disse que a diferença da campanha eleitoral entre Bolsonaro e Trump foi que o brasileiro “recorreu mais ao WhatsApp, e não ao Facebook”, como o norte-americano.
Em 2018, uma investigação revelou que a Cambridge Analytica, que trabalhou na campanha de Trump em 2016, obteve acesso à diversos dados de usuários da rede social Facebook para induzir nos resultados eleitorais. Após a eleição presidencial norte-americana, foi constatado que as coletas foram usadas de forma antiéticas e, possivelmente, ilegais.
A Cambridge desenvolveu um questionário para os usuários da rede social que continha perguntas sobre a personalidade de cada. A consultora alegou que não utilizaria tais informações pessoais para outros fins. Segundo a Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos, a alegação da empresa foi “falsa e enganosa”.
Palácio do Planalto
Segundo especialista, presidente Jair Bolsonaro utilizou WhatsApp para viralizar notícias mentirosas
A empresa usou os dados dos perfis para influenciar opiniões políticas. O Facebook se desculpou sobre o ocorrido e afirmou que a empresa pegou as informações de forma “inadequada”.
“A Cambridge não só trabalhava para convencer eleitores a optar por Trump. Também se esforçava para persuadir pessoas a não ir votar em Hillary Clinton, a ficar em casa no dia da eleição. Foram utilizadas muitas táticas chocantes. Antiéticas, certamente. E talvez se comprove serem ilegais”, afirmou Kaiser.
A especialista também afirmou que atualmente os “novos tipo de populistas” querem “agir” nas redes sociais para “debilitar os direitos humanos, as noções de igualdade e justiça, o acesso universal a serviços básicos”. “Aliás, com tudo isso, não se trata somente de agressores da democracia. Eles atacam a civilização”, apontou.
Kaiser trabalhou na campanha presidencial de Barack Obama e disse que o ex-mandatário dos EUA “impunha um rigoroso guia de limites éticos”. Segundo a ex-funcionária da Cambridge Analytica, Obama “não realizava campanhas negativas contra rivais nem espalhava desinformação, muito menos propagandas racistas, sexistas ou que tentavam convencer eleitores a não ir às urnas”.
Ainda na entrevista, Kaiser afirma que as rede sociais têm exercido um papel “mais mal do que bem” e que é necessário que elas “assumam seus erros para depois transformarem a forma como fazem negócios”. “Aí conseguiríamos extrair o que há de mais positivo no uso dessas tecnologias”. disse.
“Os algoritmos deveriam ser utilizados para, por exemplo, promover os direitos humanos, a ciência, a diversidade”, defendeu Kaiser que depôs contra a empresa em 2019 e é protagonista no documentário Privacidade Hackeada, da Netflix.