Tenho estado meio longe deste espaço, e não acompanhei de perto o debate sobre a decisão do Facebook de usar agências de checagem para tentar diminuir a circulação de notícias falsas. Antes de entrar no debate, é preciso expressar 100% de solidariedade a todas as pessoas que estão sendo atacadas pelos maiores utilizadores de notícias falsas para a luta política. A soda cáustica jogada pelo MBL na política brasileira segue deixando feridos e feridas.
Dito isso, queria dizer que a maneira como esta plataforma se propôs a enfrentar a questão das notícias falsas é muito ruim, tanto do ponto de vista político como da liberdade de expressão.
Notícias falsas são um problema grande para a democracia, e certamente vão ser utilizadas aos montes como arma política durante o processo eleitoral. Mas você não resolve um problema político desta envergadura com duas agências de checagem com poucos anos de vida. Ao agir assim, o facebook opta por um caminho politicamente inconsistente, e expõe os competentes profissionais dessas agências ao ataque de MBL e cia. Um desastre.
Além disso, não acho que devemos validar nenhum comitê privado de julgamento da verdade cuja opinião impacte na possibilidade de circulação dessas informações. Essa perspectiva vai contra todo o paradigma que construímos sobre liberdade de expressão desde o século XVII. Casos que envolvam difamação, injúria ou calúnia devem ser enfrentados na justiça, ou por meio de um processo transparente e responsivo, com direito a apelo. Mas é muito grave que uma plataforma com esse tamanho e a responsabilidade de sediar parte significativa do debate público se proponha a ser a dona da verdade.
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Notícias falsas são um problema grande para a democracia, e certamente vão ser utilizadas aos montes como arma política durante o processo eleitoral
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Os casos noticiados pela plataforma como já tendo sido avaliados e identificados como falsos são exemplos de notícias claramente mentirosas. O problema é que estes são só os casos extremos. Boa parte da discussão sobre verdade e mentira se dá em situações mais complexas, em que a linha entre elas é muitas vezes nublada. E esses são os casos mais difíceis de julgar e mais delicados para a democracia.
Não é por ser uma plataforma privada que o Facebook não tem de respeitar os parâmetros internacionais de liberdade de expressão. Ao tratar de forma claramente discriminatória notícias julgadas sumariamente como falsas, ela cria um duplo padrão incompatível com estes parâmetros.
O problema seria menor se a intervenção fosse menos intrusiva. Seria aceitável, por exemplo, que ela ‘etiquetasse’ as notícias com um link visível para a avaliação das agências. Mas acho que a opção feita nos joga num caminho perigoso, numa perspectiva que pode afetar negativamente a democracia. É verdade que, em um cenário de ataques pessoais e mentiras deslavadas, pode ser que os efeitos negativos de violação à liberdade de expressão sejam menores do que os positivos para o debate público. Ainda assim, não acho que deveríamos legitimar soluções desta natureza.
*João Brant é militante da comunicação e da cultura, ajudou a fundar o coletivo Intervozes e trabalhou como assessor especial na Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e como secretário executivo do Ministério da Cultura