Às vésperas das eleições presidenciais na Bolívia, os plantadores de soja brasileiros declararam apoio à oposição, porém, preferiram manter-se longe dos holofotes. Muitos dos produtores vêm do Brasil e a maioria teme um provável segundo mandato de Evo Morales, primeiro presidente indígena a ser eleito.
A soja e derivados formam o principal produto agrícola de exportação da Bolívia. São cerca de 1,7 milhões de toneladas de soja ao ano, que geram por volta de 400 milhões de dólares em exportação de óleo e farinha. Não há dados oficiais quanto aos sojeiros brasileiros, mas estima-se que eles controlem aproximadamente 35% do plantio de soja no país, concentrado em Santa Cruz.
O produtor Raul Amaral Campos Filho (foto abaixo), 36 anos, esquiva-se de dizer a quantidade de terra que possui. “Não vou nem falar de terra, porque tem problema aqui, já não pode ter muita terra”. De acordo com a nova Constituição boliviana, aprovada em janeiro, as novas propriedades não podem ultrapassar 5 mil hectares.
Fotos: Cris Von Ameln
Campos Filho chegou há 13 anos ao país, depois que seu pai, fazendeiro no estado do Mato Grosso, pediu ajuda com uma propriedade que comprara em Santa Cruz. Casou-se com uma boliviana e hoje sua próspera empresa, Agrosen, tem 130 funcionários fixos, fora os terceirizados.
Ele conta, porém, que as “mudanças radicais” logo no início do governo de Morales, como a nacionalização do gás, espalharam o medo entre os brasileiros. “É errado o método que ele usa, muito agressivo. Todo mundo fica com medo: ‘se ele fez aquilo com a Petrobras, imagina o que vai fazer com a gente’”, afirma.
“Nós continuamos investindo, não é hora de parar agora. Mas o que a gente vê é que não tem novos capitais entrando”, analisa o produtor. Por isso, ele diz que a expectativa sobre o segundo mandato de Evo é ainda maior. “Ainda não sabemos pra onde ele vai, se vai ser uma esquerda mais como o Chávez, mais louca, ou como o Lula, que fez a classe baixa ter mais renda e o país crescer”.
Diálogo
Para ele, há sinais de que o governo começa a adotar uma postura menos radical. “Agora a gente já vê fotos do Evo com empresários, acho que eles estão mais dispostos a negociar e adotar uma postura mais moderada no segundo mandato. Vamos esperar”. Em novembro, o presidente jantou com empresários de Santa Cruz, prometendo “segurança jurídica, regras claras, acesso a créditos baratos e estabilidade política”.
“A maioria prefere não dar entrevistas”, diz Cesar Tillman, curitibano que vive em Santa Cruz há 15 anos. Segundo ele, os recentes processos contra líderes da oposição, como o ex-presidente do comitê cívico da Santa Cruz, Branco Marinkovic, colaboram para a atmosfera de incerteza.
Tillman, que integra a associação Unisoya, foi um dos primeiros brasileiros a comprar terra no norte do estado, onde a produção chega a render duas safras por ano. Para ele, embora os pioneiros brasileiros tenham sido sempre bem recebidos, o governo insuflou o ânimo dos indígenas locais. “A gente já ouvia coisas como ‘vocês vêm aqui roubar nossa terra’, mas agora se ouve mais”, diz.
Para Tillman (foto abaixo), um dos maiores problemas é a insegurança jurídica causada pela nova Constituição. Ela estabelece que as propriedades devem cumprir função não só econômica, mas social – termo considerado “vago” pela oposição.
“Se você não está em dia com os impostos ou tem uma multa não paga, não há negociação. Já há motivo para tomarem a terra. É difícil adequar tudo, é muito desordenado”. Outro exemplo são as regras no trato com os funcionários. “Não pode, por exemplo, emprestar dinheiro para um funcionário que esteja precisando, porque você pode ser acusado de escravidão”.
O medo é que, no fim, o governo possa tomar as terras “por qualquer motivo”. “E o pior é que quando nós chegamos fizemos tudo sozinhos, construímos estrada, toda a infraestrutura necessária. O governo não deu nada”.
Apoio à elite cruceña
O desgosto com o governo é ainda maior por conta da estreita afinidade com a elite cruceña, que caminha lado a lado a um distanciamento da cultura do altiplano. “Eu me sinto boliviano, brasileiro, nem sei, mas aqui me sinto em casa. Nós raramente vamos a La Paz, lá é tudo diferente”, diz Campos Filho.
“A verdade é que somos parte da elite de Santa Cruz, estamos com eles”, diz um produtor que prefere ficar no anonimato. “Os brasileiros estão com o Comitê Pró-Santa Cruz, e apoiamos inclusive financeiramente. Só que agora, se você quer apoiar algum candidato, tem que fazer totalmente escondido, porque pode ser perseguido”.
Segundo o produtor, que se refere aos nativos como “indiaiada”, a atmosfera durante os primeiros anos de Morales foi de muita insegurança. “Quando o pessoal dele cercou Santa Cruz (em setembro de 2008), ficamos aqui sem saber o que fazer. Aqui, de cada um milhão de famílias, 800 mil têm armas, inclusive armas pesadas. O que o governo queria era causar um massacre, militarizar a área e tomar conta”.
O sojeiro, que diz reunir-se frequentemente com o prefeito de Santa Cruz, diz que agora a situação está mais calma, mas teme o futuro, pois 2010 deve marcar a implementação da nova Constituição. “Por exemplo, agora a lei reconhece a justiça comunitária, então se eu estiver andando de carro numa estrada e o pessoal me deter, sei lá o que pode acontecer”.
Inseguranças à parte, Campos Filho afirma que até agora houve poucas mudanças práticas na vida dos sojeiros. Santa Cruz continua crescendo a um ritmo acelerado, com novas construções surgindo a cada dia, e alta valorização imobiliária – as propriedades dobraram de preço nos últimos anos.
“Nós continuamos investindo, não é hora de parar agora. Mas o que vemos é que não tem novos capitais entrando”. Por isso, ele diz que a expectativa sobre o segundo mandato de Evo é ainda maior. “Ainda não sabemos pra onde ele vai, se vai ser uma esquerda mais como o Chávez, mais louca, ou como o Lula, que fez a classe baixa ter mais renda e o país crescer”.
O compasso é de espera, segundo o boliviano Reinaldo Dias, vice-presidente da Anapo (Associação Nacional dos Produtores de Oleoginosas). “Claro que seguem chegando brasileiros, mas não tanto quanto nós gostaríamos porque os investidores do Brasil estão com medo. E os brasileiros têm sido um pilar importantíssimo da nossa agricultura”.
A prova é que houve desaceleração na abertura de novas terras. “Até 2006, a fronteira agrícola estava se expandindo a um ritmo de 12% ao ano. Desde então, a expansão baixou para 7%”, diz o vice-presidente da Anapo, instituição apontada como uma das frentes de defesa dos interesses dos produtores brasileiros mediante o governo central.
Mas até mesmo o comitê pró-Santa Cruz, principal bastião da oposição, levanta a bandeira de apoio aos sojeitos do Brasil. “Tenho muito amigos brasileiros, são parte de uma integração e desde o comitê vamos lutar para que se respeite seu estado de direito, seu direito de propriedade e a convivência pacífica como todos os outros cidadãos”, diz o presidente Luis Nuñez Rivera.
(O título foi alterado)
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