Às 7h de uma fria terça-feira, Evelyn Matthei e a porta-voz de campanha, a senadora Lily Pérez, visitam uma padaria na comuna Estación Central (região central da capital chilena), onde ajudam as trabalhadoras a fazer o pão. No dia seguinte, também cedinho e num frio de -3,5ºC, a ex-ministra do Trabalho acompanha trabalhadoras em Puente Alto na ida ao trabalho. Matthei aborda um ônibus cheio, faz a baldeação com o metrô e ajuda os fiscais da estação a dar instruções de segurança.
Efe
A candidatura presidencial de Matthei começou tarde e a receita para recuperar o tempo perdido tem sido despertar cedo e enfrentar longas jornadas de visitas a bairros humildes de Santiago e, em breve, de outras províncias do país.
[Evelyn Matthei celebra candidatura com o líder do RN, Carlos Larrain, em Santiago]
Lançada como candidata somente em meados de julho, depois que Pablo Longueira, vencedor das primárias governistas, abandonou a disputa por um quadro de depressão, ela enfrentou uma pequena crise da Aliança – coalizão de direita, que sustenta o governo de Sebastián Piñera –, para ser escolhida como candidata única do oficialismo.
Esses eventos de campanha fazem eco com sua atuação como ministra do Trabalho, mas mais especialmente destacam a condição de primeira mulher a encabeçar uma candidatura da direita chilena. A escolha da senadora Lily Pérez como porta-voz da campanha também não foi por acaso e reforça a aposta de buscar votos no eleitorado feminino, além de ajudar a acalmar a relação entre os dois partidos da direita, a UDI (União Democrata Independente) de Matthei e o RN (Renovação Nacional) de Pérez.
Na primeira declaração, Pérez ressaltou a hegemonia feminina na candidatura da direita como o primeiro grande incômodo para Michelle Bachelet, franca favorita para vencer já no primeiro turno, em novembro. “Esta é uma candidatura liderada por uma mulher, cujo comando de campanha é liderado por mulheres de centro-direita e que representa o governo que conseguiu a licença maternidade de seis meses – algo que não foi alcançada por Bachelet em seu governo. Creio que nossa adversária já deve estar sentindo a pedra no sapato”, afirmou.
O cálculo eleitoral da direita já foi explicitado pela própria Matthei. A popularidade de Bachelet “está baseada no apoio das mulheres à sua figura pública, mas ela nunca enfrentou um cenário eleitoral em que teve que enfrentar outra mulher, que vai repartir os votos femininos com ela. Quero propor à cidadania um debate sobre qual foi o governo que fez mais pelos direitos das mulheres nos últimos anos, se o de Bachelet ou o nosso”, disse.
Liberal entre os conservadores
Um dos elementos que potencializa Matthei como candidata, segundo seus próprios companheiros de coalizão, é o fato de ela ser uma das líderes menos conservadoras da direita chilena.
Senadora Lily Pérez fala sobre candidatura de Matthei:
Um exemplo disso é que Matthei escreveu com o senador socialista Fulvio Rossi, um projeto de lei sobre o aborto terapêutico que tramita atualmente no Congresso chileno e prevê a despenalização em caso de risco de vida para a mãe. Ela também defendeu o chamado “Acordo de Vida em Casal”, um projeto impulsionado por Piñera, que dá direitos de herança a todos os casais – heterossexuais e gays – que viveram pelo menos dois anos juntos.
A cientista política María Francisca Quiroga, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile, concorda com essa análise. Para ela, a escolha de Matthei foi um acerto da Aliança para recuperar a unidade. “Ela tem experiência em consensos e também um bom manejo comunicacional, que será importante para reunir o eleitorado tradicional da direita e seduzir o chamado voto popular. Ela deve tentar conseguir a mesma transversalidade de Bachelet, que é bem votada até por mulheres pinochetistas”, comentou a Opera Mundi.
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Para Quiroga, o desafio de Matthei é conseguir votos suficientes para forçar um hipotético segundo turno. “Uma vitória no primeiro turno poderia significar um apoio muito forte às ideias mais reformistas da candidatura bacheletista, como a da assembleia constituinte, por exemplo. Matthei tem a missão de dar a resposta da direita, que não quer essas reformas, e quer manter e reforçar o modelo econômico”, avaliou a cientista política.
Controvérsias com Bachelet e Piñera
A família Matthei chegou ao sul do Chile no final do século XIX, proveniente de Kassel, do interior da Alemanha, terra dos Irmãos Grimm. Desde então, os Matthei se destacaram no país como um clã de importantes empresários agropecuários.
Um dos Matthei é o elo entre a atual candidata da direita com sua principal adversária. O ex-general da FACh (Força Aérea Chilena) Fernando Matthei, pai de Evelyn, foi um dos militares que se destacaram durante a ditadura, quando foi membro da Junta Militar de Governo desde 1978 até o fim do regime.
Ele defendeu a ajuda militar entregue pelo Chile ao Reino Unido durante a Guerra das Malvinas. Na época, Santiago permitiu que o exército britânico usasse ilhas chilenas da região do Estreito de Magalhães como base militar improvisada. Segundo Matthei, “uma aliança para proteger a soberania do Chile, que seria o alvo seguinte a ser atacado caso os argentinos vencessem”.
Antes do golpe, o então coronel era visto como amigo do general da FACh Alberto Bachelet, pai de Michelle e um dos militares que tentou resistir ao golpe, e por isso foi detido, torturado e assassinado. Atualmente, Matthei é investigado no processo que apura sua responsabilidade na morte de Bachelet. A iniciativa é do ministro Mario Carroza, da Corte de Apelações de Santiago, o mesmo que trabalha, paralelamente, no caso da morte do poeta Pablo Neruda.
Reprodução/CNN Chile
Fernando Matthei admite em programa da CNN chilena que sabia das violações de direitos humanos durante a ditadura
Evelyn desponta no cenário político chileno nos anos 1980 como líder da chamada Patrulha Juvenil, um grupo de jovens ligados ao partido RN, defensores do modelo econômico neoliberal instaurado por Pinochet. Apesar de ser filha de um general da Junta Militar, a Patrulha Juvenil era crítica dos casos de violação aos direitos humanos, e a própria Matthei foi uma das primeiras figuras da direita chilena a mencionar e condenar as torturas em uma entrevista ao canal estatal chileno TVN.
Em 1992, já como deputada ela e o então senador Piñera, que foi seu colega na Patrulha Juvenil, despontavam como possíveis candidatos presidenciais pelo RN às eleições em 1993. Até que, um escândalo revelou grampo telefônico no qual Piñera dava instruções a um correligionário do partido para criar eventos onde Matthei seria ridicularizada. A intenção era prejudicar sua postulação. O caso, que ficou conhecido no país como “Piñeragate”, enterrou as pretensões de ambos naquele ano, e levou Matthei a abandonar o RN e logo se filiar ao outro partido da direita chilena, a UDI.
Logo depois, Matthei foi eleita senadora pela província de Coquimbo, cargo para o qual se reelegeu oito anos depois, e que só deixou para assumir como ministra de Piñera, com quem retomou a amizade. De fato, foi a partir dessa reconciliação, que o RN se viu forçado a aceitar o nome de Matthei. Resta observar neste ano como a candidatura de uma direitista “light” contra uma das presidentes mais populares, será encarada pelos chilenos.