Fórum Social virou um grande banco comunitário que aceita as moedas mais inusitadas
Fórum Social virou um grande banco comunitário que aceita as moedas mais inusitadas
Nos intervalos dos debates do Fórum Social Mundial, os participantes descansam nos gramados da Universidade Federal do Pará ou aproveitam para fazer compras. A oferta é grande: camisetas, jóias, bolsas, doces, tudo fabricado por comunidades da Amazônia. Os estrangeiros que chegaram a Belém com poucos reais no bolso tentam pagar com dólares e euros. Em geral, sem sucesso. Os donos das lojinhas, em compensação, respondem maliciosamente que aceitam trilhas, palmeiras, quinamuiús* e até cocais.
Estas são algumas das moedas emitidas pelos bancos comunitários do Brasil. “Normalmente, cada moeda funciona somente num território determinado, mas decidimos aproveitar o Fórum para fazer uma grande experiência pedagógica”, explica Sandra Magalhães, coordenadora do Instituto Banco Palmas, de Fortaleza. Os 450 estandes comerciais alojados na universidade comprometeram-se a aceitar as moedas especiais nesta edição do evento.
A história do Banco Palmas começou em 1998, no conjunto Palmeira, bairro pobre da periferia de Fortaleza, com cerca de 30 mil habitantes. Naquela época, a associação de moradores decidiu criar um sistema econômico para incentivar o consumo local. “Constatamos a escassez de moeda na nossa economia. O pouco que os habitantes ganhavam ia para fora da comunidade, que tinha também cada vez menos oferta de consumo”, explica Sandra.
Com a criação de um banco local, o bairro começou a emitir também uma moeda própria para complementar o real: o palma. Cada palma é indexado e lastreado em reais, o que permite aos habitantes da comunidade trocá-lo sempre que precisarem comprar bens que não existem no bairro.
Pagar com palmas tem vantagens: os comerciantes concedem um desconto de 2% a 15%. “Isso permite a concorrência com supermercados que ficam fora do bairro e incentiva a produção local”, acrescenta a coordenadora.
Pouco a pouco, os comércios voltaram a produzir roupas artesanais, vender comida e até pensar em organizar atividades de lazer. O movimento acabou criando empregos e aumentando a renda da população.
O Banco Palmas, cuja gestão é feita pela própria comunidade – “os funcionários têm ensino médio”, lembra Sandra – faz também empréstimos: crédito produtivo de R$ 50 a R$ 10 mil para financiar microempresa ou crédito de consumo, de até R$ 1,5 mil. Os juros dependem da moeda: se o crédito for em reais, a taxa oscila entre 0,5% e 3,5%. Em palmas, é de 0%.
“Para decidir quem tem direito ao crédito, montamos um índice especial, chamado de ‘aval de vizinhança’, questionando os vizinhos do solicitante. Até hoje, nunca tivemos problemas para o reembolso”, assegura Sandra. Já é possível pagar contas, receber aposentadorias e salário em moeda social.
No começo, o Banco Central acolheu a iniciativa com receio. Após perceber o efeito positivo nas comunidades, mudou de opinião. Agora, a instituição convida os organizadores dos primeiros bancos comunitários a darem palestras para explicar o funcionamento do sistema, auxilia na emissão de moedas e colabora para evitar falsificação.
No entanto, o projeto enfrenta uma dificuldade de caráter legislativo, pois sua expansão depende de um marco legal que ainda não existe no Brasil. A deputada federal Luiza Erundinha (PSB-SP) criou um projeto de lei que ainda tramita no Congresso, sem data para ser apreciado. Sua aprovação seria a única maneira de ampliar o número de famílias atendidas e regular a capacidade desses bancos de receber recursos da União e fazer poupança, o que é proibido pelo Banco Central até agora.
Com vontade política, projeto chegou à Venezuela
Em dez anos, a experiência do Palmas espalhou-se pelo país: Maranhão, Mato Grosso do Sul, Bahia, Piauí e Espírito Santo. Mas o Ceará continua sendo o centro de referência, com 25 bancos. “O governador apóia muito os projetos. Só em 2008, abrimos dez bancos”, conta a coordenadora, entusiasmada.
A participação no Fórum tem como objetivo divulgar a iniciativa além das fronteiras brasileiras. Os organizadores consideram que estas moedas podem constituir um remédio para proteger as populações mais vulneráveis aos efeitos da crise econômica mundial. O pequeno escritório montado na Universidade Federal do Pará recebe todos os dias dezenas de visitantes latino-americanos.
O Instituto Palmas, que nasceu em 2003, já se expandiu para a Venezuela, numa parceria com resultados impressionantes, segundo Sandra: “Eles já criaram 3,6 mil bancos no país. É que, na Venezuela, existe uma verdadeira vontade política”.
* O Serrote Quinamuiú é uma formação geológica situada a oeste do município de Tauá, no Ceará. No dialeto indígena local, significa “serra perto da água”. Ponto de visitação turística, o serrote é o principal ícone da cidade
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