Fox News se desculpa por dizer que Paris tem 'zonas proibidas' onde muçulmanos vivem sob lei islâmica
Na cobertura de 'Charlie Hebdo', tevê dos EUA teve que se retratar por ter dito que as 'no-go zones', em pleno centro parisiense, levariam a Europa ao fim
No começo, parecia uma piada. Assim que aconteceram os atentados contra a revista satírica Charlie Hebdo no começo de janeiro (07/01) e no supermercado judeu (09/01), fazendo 17 vítimas em Paris, a emissora televisiva Fox News passou a dedicar horas de sua programação diária para explicar aos norte-americanos como a Europa está tomada por muçulmanos. Na ótica da emissora, estes seriam os responsáveis por provocar distúrbios e caos, além de planejar instalar a lei islâmica em grandes porções do território europeu.
Maior canal de notícias dos EUA — ultrapassou a CNN —, a Fox News relatou ao telespectador que a França, e, mais especificamente, a capital Paris, estava cheia de “no-go zones” (áreas proibidas). Nestas “terras de ninguém”, não seria permitida a presença tanto da polícia quanto de cidadãos não-muçulmanos. Entrevistado pela emissora norte-americana, o também jornalista Nolan Peterson confirmou a existência das regiões, qualificando-as de “lugares que dão medo”.
“Eu fui para o Afeganistão, o Iraque, a região Caxemira na India, e era igual”, continuou o ex-correspondente de guerra, acrescentando que, nestas zonas da capital francesa, os jovens andavam com camisetas estampadas com a figura de Osama bin Laden.
Em inglês, assista trecho do programa noticioso da Fox News sobre as 'no-go zones' em Paris:
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O jornalista exibiu então um “mapa oficial” das 751 “no-go zones”. Em Paris, estão, por exemplo, a Praça Republique, o Boulevard Magenta, o bairro Belleville, e as ruas perto do cemitério Père-Lachaise — todas regiões com grande movimentação de pessoas. A informação foi repetida muitas vezes durante vários dias, provocando risos e raiva na internet. Nos dias seguintes, a Fox continuou: desta vez, pedindo a ajuda de um correspondente local. Das ruas de Paris, o jornalista Greg Palkot explicou que nestas zonas, a criminalidade era muito alta, e que a lei em vigor já não era a do resto do país, mas sim a sharia, a lei islâmica. A Fox News explicou ainda que, na Grã-Bretanha, existem cidades inteiras “proibidas”, como Birmingham, onde 100% da população seria muçulmana. No final, todos os programas jornalísticos da emissora eram encerrados com a seguinte conclusão : “A Europa acabou”.
Também em inglês, âncora da 'Fox News' pede desculpas pela divulgação das informações sobre as 'no-go zones' em Paris:
A resposta francesa
Na França, um programa de informação com toque humorístico, “Le Petit Journal”, produzido por Canal +, lançou uma campanha para exigir desculpas da emissora norte-americano. Sem resposta dos responsáveis da Fox, “Le Petit Journal” pediu, durante dias seguidos, que o público enviasse emails aos diretores da emissora exigindo desculpas. O jornalista Yann Barthès forneceu o email de vários deles, com um texto padrão em inglês. “Deste jeito, quem sabe não conseguimos entupir as caixas de emails até transformá-las em 'no-go zones' “, ironizou.
Tuíte do programa televisivo francês 'Le Petit Journal', exigindo que a emissora dos EUA se desculpe publicamente por ter divulgado informações incorretas:
Soyons encore plus nombreux à envoyer ce nouveau message à @FoxNews pour qu'ils corrigent leurs infos ! #LPJ pic.twitter.com/BlfRDKlc0i
— Le Petit Journal (@LPJofficiel) 16 janeiro 2015
Resultado: A Fox News acabou emitindo um pedido de desculpas — fato muito incomum na gestão da empresa — por ter permitido que suas âncoras e convidados repetissem falsas alegações sobre as “no-go zones”. A declaração foi referida como uma “correção” pela jornalista Julie Banderas. “Ao longo desta última semana, fizemos alguns erros lamentáveis em relação à população muçulmana na Europa, especialmente em relação a Inglaterra e França. Para ser claro, não existe uma designação formal dessas zonas em qualquer país e nenhuma informação crível para apoiar a afirmação de que existem áreas específicas desses países que excluem os indivíduos com base unicamente em sua religião”.
Também sobre as 'no-go zones', assista a outro trecho da programação, em inglês, da emissora 'Fox News':
Em francês, é possível ver os diversos programas dedicados (em parte) à guerra contra a Fox News. Em ordem cronológica, é possível acessá-los aqui, aqui, aqui e aqui.
