Na quinta-feira (08/06), a Assembleia Nacional da França se envolveu em uma nova batalha sobre a reforma da previdência, mas o ataque em Annecy chocou os deputados e trouxe à cena política uma escalada do discurso sobre a segurança e contrário à imigração. Nesta sexta-feira (09/06), ao lado de Marine Le Pen, o líder dos conservadores, Eric Ciotti, subiu o tom e exigiu que a França recupere sua “soberania” sobre a imigração para “não mais se submeter” às regras “inadequadas” da União Europeia (UE).
Mal havia passado o minuto de silêncio solicitado pela presidente da Assembleia francesa, em homenagens às vítimas do ataque em Annecy, e o deputado Éric Ciotti se aproximou dos microfones. “Parece que o autor do crime tem o mesmo perfil que é frequentemente encontrado nesses ataques, e teremos que tirar todas as consequências, sem ingenuidade, com força e com lucidez”, disse o líder do partido Republicanos.
Em uma entrevista nesta sexta-feira (09/06) para o site Europe 1, a líder do grupo RN (Reunião Nacional, extrema direita) na Assembleia francesa, Marine Le Pen, criticou duramente o ministro do Interior da França, Gérald Darmanin, por ter concordado no dia anterior com uma reforma da política migratória na União Europeia. A mudança prevê o que está sendo chamado de “solidariedade compulsória”, com os Estados “obrigados a acolher um determinado número de solicitantes de asilo” que chegam a um país da UE ou, na falta disso, “a fazer uma contribuição financeira para esse país”.
Os fatos acontecem na sequência do ataque em Annecy, que deixou quatro crianças gravemente feridas. O agressor, Abdalmasih H., de nacionalidade síria, recebeu asilo na Suécia em 2013, onde viveu por 10 anos. Pai de uma criança de 3 anos, ele estava em situação legal quando chegou à França há alguns meses. Em um novo pedido de asilo apresentado em novembro de 2022, ele se declarou como um “cristão da Síria”, de acordo com uma fonte policial.
Instrumentalização
Mas o discurso antimigrantes parece ter ganhado força com o episodio. Na mira do deputado Éric Ciotti, estava a lei de imigração que o governo francês tenta ajustar atualmente. A direita, mas também a extrema direita, já consideravam o texto “frouxo”. “Isso desperta a vontade de mudar essa política migratória desregulamentada, o que significa que pessoas que não têm nada o que fazer aqui cheguem ao nosso solo. Então, obviamente, precisamos controlar essa política de migração”, proclamou Laure Lavalette, deputada do RN.
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Discurso antimigrantes parece ter ganhado força com episódio de ataque em Annecy
O campo presidencial francês vê isso como uma forma de explorar a tragédia. “Temos a sensação de que todos aqueles que estão trazendo essas propostas para o debate estão usando o que aconteceu para instrumentalizar políticas que eles vêm denunciando há anos”, disse Pieyre-Alexandre Anglade, deputado centrista do Renaissance, em entrevista à RFI. Todos aqueles que surfam nisso são indignos de seu mandato.”
Na esquerda, as palavras são ainda mais duras, com a ecologista Sandrine Rousseau denunciando: “O senhor não pode basear um programa político em uma tragédia dessa magnitude, é mais do que indecente”.
A escalada do discurso antimigrante à direita
A questão da imigração ainda está muito presente nos noticiários. Isso é evidenciado pela entrevista na revista L’Express com Édouard Phillipe, ex-primeiro-ministro da França que está claramente se posicionando à direita para a próxima eleição presidencial, e que deseja rever o acordo de migração de 1968 com a Argélia, que cria um status especial para os cidadãos argelinos, ou o projeto de lei de Gerald Darmanin, que deve ser discutido em breve na Assembleia.
Na semana passada, a direita francesa apresentou um segundo projeto de lei de imigração, muito rígido, que propunha emendar a Constituição para contornar os tratados internacionais. Em seu último projeto de lei, o partido Republicanos afirmou que deseja “pôr um fim à imigração em massa”, “agindo com todas as alavancas possíveis”.
Assistência médica estatal em discussão
A abolição do Aide Médicale d’État (Auxílio Médico do Estado) é um alvo específico para a direita francesa. Ele dá aos imigrantes ilegais acesso à saúde e pode ser a variável de ajuste na futura lei de imigração.
O ministro do Interior deixou a porta entreaberta. O esquema, criado em 2000, é regularmente visado pela direita e pela extrema direita, que consideram que o AME gera um “apelo à imigração ilegal”: o auxílio médico estatal cobre 100% dos custos de saúde de estrangeiros que estão na França há pelo menos três meses.
Buscando um acordo com a direita para aprovar seu projeto de lei, Gérald Darmanin disse que estava pronto para “discutir os termos e condições” desse auxílio no último domingo no jornal Le Parisien, enquanto a abolição do AME para torná-lo um “auxílio médico de emergência” faz parte de um projeto de lei apresentado nesta sexta-feira pelos Republicanos.