A crise financeira norte-americana não tem necessariamente sua gênese na crise imobiliária, segundo a maioria dos analistas. Já tinha começado lentamente com a desaceleração da produção industrial por causa do crescimento econômico da China e a penetração de suas mercadorias baratas, tanto no mercado interno quanto na América Latina, um destino fulcral das exportações dos Estados Unidos.
Quanto muito, dizem, a crise do “subprime” acelerou a dos bancos. É que quando os norte-americanos deixaram de consumir, ir às lojas, restaurantes, viajar nas férias – ou até passaram a economizar nos deslocamentos por estrada já que o preço da gasolina quadruplicou em meados do ano passado –, a economia contraiu. E a primeira consequência foi a paralização industrial e produtiva.
Só em outubro, por exemplo, o índice Dow Jones, da Bolsa de Valores de Nova York, chegou a cair 5%, o Nasdaq 4% e o Standard & Poor, 4,6%. Todos já tinham passado por contrações parecidas, mas nunca ao mesmo tempo, porque são indicadores de setores econômicos diferentes. A paralisação era total.
No fundo, como os norte-americanos nunca se recuperaram da quebra de Wall Street em 1929, pelo menos dos seus efeitos psicológicos, quando o secretário do Tesouro, Henry Paulson, disse no terceiro trimestre que o país estava “oficialmente” em recesão, os acontecimentos começaram a desenvolver-se em ritmo acelerado.
Os bancos admitiram problemas de liquidez, o Congresso aprovou rapidamente um pacote de ajuda de 7 bilhões de dólares. Metade foi imediatamente injetada em bancos, financeiras e companhias de seguros. Oficialmente, foi uma espécie de programa de resgate de uma indútria hipotecária em crise, que ia direto rumo à falência.
Mas, como recordou Salazar Carrillo (professor de Economia da Universidade Internacional da Flórida), houve pouco impacto na vida dos consumidores, porque, ao contrário do que estes pensavam, as medidas não resolveram suas dívidas privadas. “As pessoas continuaram a dever a mesma quantidade de dinheiro pelas suas hipotecas”, disse. “Criou-se a ideia de que o governo ia pagar-lhes a casa, mas não foi assim”.
Realmente, o que aconteceu foi uma das maiores miragens desta crise. Para convencer o Congreso a aprovar os 7 bilhões de dólares, os estrategistas da Casa Branca de George W. Bush, com Paulson à frente, venderam a ideia de que o governo ia comprar as grandes firmas hipotecárias e, naturalmente, as dívidas das pessoas com os bancos. Foi nessa época que setores mais conservadores, e outros nem tanto, tiraram sarro de Bush, acusando-o de tomar atitudes “socialistas”. Ele estaria “nacionalizando” os bancos e corretoras com problemas. Nada mais longe da verdade.
Quando o governo assumiu os custos das corretoras Fanny Mae e Freddy Mac, as maiores seguradoras de riscos hipotecários nos Estados Unidos, o que realmente fez foi tornar-se proprietário das casas que estavam já em processo de despejo, despejadas ou abandonadas pelos seus donos. Os proprietários que permaneciam ainda dentro das propiedades, porque os bancos nunca os obrigaram a deixá-las, já que não tinham um destino para elas, não viram os seus problemas melhorarem.
Isso provocou, de imediato, uma perda de confiança em qualquer ajuda governamental por parte de opinião pública, porque também nunca ficou claro que critério foi escolhido ou tido em conta, no momento de atribuir essas ajudas financeiras. No fundo, o processo foi um pouco vítima do fenômeno midiático a que foi sujeito. Com todo mundo acompanhando a crise ao vivo pela televisão, internet e jornais, esta foi muito mais transparente e discutida publicamente, como nunca antes. As pessoas sabiam o que estava se passando e não viam soluções.
Foi assim que, quando a indústria automotiva de Detroit disse que estava à beira do colapso, seus pedidos de ajuda foram recebidos com cautela. “Se não conseguem fazer as coisas direito, alguém tem de tomar conta do assunto e dizer ‘até aqui’. Se agora os contribuintes vão suportar a General Motors, é preciso transformar a empresa em alguma coisa que valha a pena”, disse Richard Breeden, o antigo presidente da Comissão de Investimentos da Bolsa de Nova York, sugerindo a nomeação de um “czar” para controlar a recuperação da indústria do automóvel.
Não deu muito resultado, e o presidente eleito Barack Obama já avisou. Antes mesmo de tomar posse, já começou a desenhar um plano de recuperação a ser aplicado nos primeiros meses. “A crise está aqui para durar. Talvez não se resolva nos primeiros dois anos, mas vamos resolvê-la”, disse. Pelo menos é alguma coisa diferente. Antes, os presidentes responsabilizavam a oposição ou o parlamento pelas suas incapacidades.
A ironia de tudo isso é que a América financeira, que no século passado definiu o curso da economia mundial, agora parece não ter dinheiro para pagar nem sequer as coisas mundanas da vida, como casa, carro ou umas férias à beira-mar.
Leia a primeira parte da reportagem.
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