Depois de mais de cem dias da deposição do presidente de Honduras, Manuel Zelaya, ainda não está claro porque os Estados Unidos demoraram quase três meses para admitir que houve um golpe de Estado no país centro-americano.
A consideração oficial aconteceu em 3 de setembro, quando o Departamento de Estado norte-americano emitiu um comunicado no qual afirmou que não reconheceria nenhum resultado eleitoral enquanto os golpistas estivessem no poder.
Algumas fontes entrevistadas pelo Opera Mundi revelaram que o governo dos EUA preferia que o presidente hondurenho tivesse sido submetido a um julgamento em seu país, e não ter sido enviado ao exterior pelos militares.
Mas outras, no entanto, garantem que, com a lentidão da administração de Barack Obama, pretendia-se projetar a ideia de não interferência na região, como foi durante décadas.
A falta de reação do governo Obama ao golpe levantou suspeitas entre analistas sobre uma possível cumplicidade norte-americana na derrubada de Zelaya. Tanto Zelaya como o presidente venezuelano, Hugo Chávez, afirmaram diversas vezes que os Estados Unidos estavam por trás do golpe, mas não apresentaram provas.
O silêncio de Washington foi atribuído também à possibilidade de que o avião que transportou Zelaya para a Costa Rica teria feito escala na base militar hondurenha de Palmerola, onde os Estados Unidos possuem um esquadrão aéreo.
Divisão
Segundo explicou ao Opera Mundi um funcionário norte-americano, que pediu o anonimato por não estar autorizado a dar detalhes, quando aconteceu o golpe de Estado, surgiram dois pontos de vista dentro da administração sobre como reagir.
Um grupo achava que, se Zelaya tivesse cometido alguma ilegalidade, deveria ser julgado. O outro acreditava que a expulsão de um presidente de seu próprio país constitui, de qualquer maneira, um golpe de Estado e que, portanto, o governo golpista não deveria ser reconhecido.
“Muita gente aqui acha que uma pessoa como Zelaya, mesmo sendo desagradável, tinha direito a uma segunda oportunidade. Os militares não lhe deram nem a possibilidade de se explicar. Outros consideraram tudo um golpe de Estado. E, nessa discussão, passaram-se três meses”, explicou a fonte.
Entretanto, o mais importante, assinalou o funcionário, “é que o golpe de Estado trouxe à tona as divergências dentro do governo a respeito da América Latina”.
Desde que Obama foi a Trinidad e Tobago, em abril, e prometeu um novo começo nas relações com a região, sempre existiram rumores dessas diferenças que, durante algum tempo foram discretas, mas acabaram por vir à tona quando a Venezuela e o Brasil começaram a pressionar Washington para que se definisse.
Várias fontes do governo norte-americano consultadas a respeito foram unânimes em assinalar que o Departamento de Estado sempre defendeu um relacionamento mais lento e distante, enquanto que, na Casa Branca, opta-se por uma aproximação mais direta e ativa.
No entanto, também se falou da intenção de Obama de projetar a imagem de que os Estados Unidos não querem mais se envolver nos problemas internos da América Latina e que preferem deixar os países da região resolver seus problemas por si só.
Duas semanas depois do golpe, Chávez reclamou da falta de reação dos Estados Unidos. E Obama deu-lhe a resposta: “Vamos nos pôr de acordo. Reclamam se intervimos e agora reclamam se não o fazemos. Mas, não querem que a gente vá embora do continente?”.
Logo no dia do golpe, Obama emitiu um comunicado condenando a deposição de Zelaya e exigindo seu regresso ao país.
No dia 1 de julho, o comando Sul das Forças Armadas anunciou a redução das manobras conjuntas, apesar de uma longa colaboração. Em 28 de julho, um mês depois do golpe, o Departamento de Estado finalmente congelou alguns programas de assistência a Honduras avaliados em 49 milhões de dólares e cancelou os vistos diplomáticos dos principais protagonistas do golpe.
No fim de agosto, o cancelamento dos vistos ampliou-se aos de turismo, incluindo familiares dos golpistas, e abrangeu também uma larga lista de empresários que apoiaram o líder golpista, Roberto Micheletti.
Depois, em 3 de setembro, os Estados Unidos passaram a considerar os acontecimentos em Honduras como um golpe de Estado e anunciaram que não reconheceriam nenhum vencedor das eleições presidenciais hondurenhas enquanto Micheletti estiver no poder.
Quando o presidente Zelaya regressou a Tegucigalpa, em 21 de setembro, onde desde então está na Embaixada do Brasil, as reações em Washington seguiram divergentes, mas já com o apoio dos que acham que o golpe deva ser desfeito.
A secretária de Estado, Hillary Clinton, afirmou que aquela era “uma oportunidade de iniciar um diálogo“ e “evitar mais atos de violência” no país. Mas o embaixador na OEA (Organização de Estados Americanos), Lewis Amselem, acusou Zelaya de ser “irresponsável” e falou que o retorno a Tegucigalpa foi um “gesto idiota”. “[Zelaya] devia se comportar como um líder e não como uma estrela de cinema”, afirmou Amselem.
Hillary não o demitiu naquele momento só para não agravar a situação. “Mas ele levou um tremendo puxão de orelhas”, garantiu um diploma norte-americano.
Para fazer valer a sua posição, a secretária de Estado ordenou ao embaixador na capital hondurenha, Hugo Llorens, que se reunisse de imediato com as duas partes.
No dia 28, o embaixador convocou uma reunião com os quatro candidatos presidenciais, o ex-presidente Carlos Flores, o bispo auxiliar Juan José Pineda [mediador entre Zelaya e Micheletti], empresários, banqueiros, diplomatas brasileiros e o enviado especial da OEA, o chileno John Biehl. Durante o encontro, Lorens revelou as verdadeiras intenções norte-americanas sobre o futuro de Honduras.
Segundo contou ao Opera Mundi, em Miami, um dos candidatos presentes à reunião, o embaixador demonstrou grande apoio a Zelaya, fator que incomodou alguns presentes. “Mas entendo que seu argumento tem certa lógica. É impossível que, quem quer que ganhe as eleições, possa assumir a presidência sem que Zelaya esteja de volta, porque o mundo não o reconhecerá”.
NULL
NULL
NULL