Os desdobramentos da crise na Bolívia estiveram no centro do debate promovido pelo jornal Folha de S.Paulo, nesta segunda-feira (11/11), sobre as recentes ondas de protestos que têm varrido a América Latina no último período. Entre os debatedores, uma concordância: Morales foi derrubado por um golpe de Estado.
O diretor editorial de Opera Mundi, Breno Altman, dividiu a bancada com Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora aposentada de ciência política da USP, e com Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo), numa discussão mediada pelo editor de Mundo da Folha, Daigo Oliva.
Para Altman, a ruptura institucional que derrubou o presidente Evo Morales foi fruto de uma ação orquestrada entre militares, milicianos e empresários, com o apoio externo. “Teve o dedo dos Estados Unidos e as digitais do Brasil.”
Já para Maria Hermínia e Stuenkel, Morales não deveria ter tentado a reeleição após o referendo em que a população rejeitou a proposta de uma nova postulação do presidente ao cargo. “Não tenho nenhuma dúvida de que foi um golpe. Mas a Bolívia sofreu dois golpes. E o primeiro foi o de Evo, que torceu a Constituição depois de ter perdido o referendo (da reeleição)”, critica a ex-professora da USP.
Segundo Altman, o golpe na Bolívia faz parte de um cenário que tem com pano de fundo a contradição entre neoliberalismo e democracia. E enfatiza que, desde a crise capitalista de 2008, o neoliberalismo vem radicalizando suas ações contra a democracia.
Lúcia Rodrigues/Opera Mundi
Stuenkel, Maria Hermínia e Altman (esq. p/ dir.), mediados por Daigo Oliva, debateram a onda de protestos na América Latina
“Se radicalizou com componentes cada vez mais duros, para reorganizar as relações com a periferia do sistema, que terá de oferecer riquezas minerais abundantes e baratas, oferecer salários mais baixos, oferecer mais privatizações. E os governos que não obedecerem a essa agenda serão derrotados.”
É nesse esteio que golpe na Bolívia se dá. “É um golpe contra a soberania popular para implantar um governo autoritário e impor uma agenda neoliberal a ferro e fogo que recomponha os privilégios que as velhas classes dominantes vinham perdendo.”
A professora Maria Hermínia questiona se as crises que têm atingido os vários governos da América Latina são crises da democracia ou crises presidenciais. “Essa é pergunta relevante a se fazer.”
Ela conta que um levantamento feito pelo cientista político argentino Anibal Perez apontou que, até 2008, foram contabilizados na região 13 casos de presidentes que não concluíram o mandato, 11 deles só na América do Sul. “Nunca foi tranquilo. Vivemos a experiência democrática com muitos sobressaltos.”
Já o professor da FGV vê com preocupação a perda de protagonismo do Brasil na mediação de conflitos na região. “Antes (de Bolsonaro) havia diálogo. Fernando Henrique Cardoso e Hugo Chávez eram extremamente cordiais.”
Ele recorda que o ex-presidente brasileiro chegou a enviar um navio petroleiro para auxiliar o governo a enfrentar a escassez do hidrocarboneto durante greve dos trabalhadores da PDVSA, a petroleira venezuelana. “Viabilizou a sobrevivência do governo chavista.”
Para Altman, o que vai definir para onde caminhará a região será o resultado do enfrentamento entre as forças neoliberais e democráticas. “Essa é a grande contradição de nossa época.”