Em um pronunciamento em rede nacional realizado nesta sexta-feira (16/06), a presidente do Peru, Dina Boluarte, anunciou um decreto que encerra a discussão do último projeto de lei que propunha a antecipação das eleições presidenciais no país.
No vídeo, Boluarte apareceu junto com o chefe do Conselho de Ministros, Alberto Otárola, e com o ministro da Economia, Alex Contreras. “Está encerrada esta questão das eleições antecipadas, vamos continuar a trabalhar com responsabilidade, no respeito pelo Estado de direito, pela democracia e pela Constituição, até julho de 2026”, frisou a presidente.
A antecipação das eleições era a principal demanda dos movimentos sociais desde o início da mais recente crise política peruana, originada pela destituição do ex-presidente Pedro Castillo em dezembro de 2022 e sua substituição por Boluarte, cujo governo foi considerado ilegítimo por diversos setores.
A situação gerou uma intensa onda de protestos exigindo novas eleições no país ainda em 2023, além da realização de um plebiscito para criar uma assembleia constituinte e escrever uma nova constituição, substituindo a atual, imposta em 1992 pelo então ditador Alberto Fujimori.
Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, foram apresentados ao Congresso do país (unicameral) três projetos propondo a antecipação das eleições, mas dois deles, que previam votação ainda em 2023, foram rejeitados pelos congressistas, e uma última iniciativa, que previa um novo pleito apenas em 2024, se encontrava congelada no Legislativo desde março passado.
A decisão de Boluarte acontece às vésperas de uma nova onda de manifestações que os movimentos sociais peruanos vinham anunciando para os meses de junho e julho. A chamada “Nova Tomada de Lima”, evocando a “Tomada de Lima” realizada em fevereiro deste ano, prevê uma marcha dos movimentos partindo de diferentes regiões do Peru até a capital do país, para exigir a antecipação das eleições.
Até o momento, os movimentos não se pronunciaram sobre se a decisão de Boluarte mudará a agenda de manifestações programadas para as próximas semanas.
Violações aos direitos humanos
A indignação popular contra o governo de Boluarte, surgida do que foi considerada pelos movimentos sociais como uma “transição ilegítima” após a queda de Castillo em função de um processo de impeachment, foi reforçada pela fortíssima repressão do Estado contra os protestos realizados no país.
Entre dezembro de março, diversos movimentos sociais realizaram atos quase diários em diferentes cidades. Todos esses eventos foram alvo de ações violentas por parte da Polícia Nacional Peruana (PNP) e também e das Forças Armadas – estas últimas foram acionadas em janeiro, quando a presidente decretou Estado de emergência em função das manifestações.
Presidência do Peru
Apesar de descartar eleições antecipadas em seu país, presidente peruana Dina Boluarte elogiou medida semelhante adotada no Equador
Essa violência do Estado gerou uma grande quantidade de vítimas. Em março deste ano, um grupo de Observadores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos visitou o Peru, em trabalho feito em conjunto com a Coordenadora Nacional de Direitos Humanos desse país.
O informe final da Comissão, publicado em abril, apontou que houve 73 mortes oficialmente registradas durante os quatro primeiros meses de protestos no país. Ademais, o documento afirma que pelo menos 48 dessas mortes apresentam indícios de “execuções extrajudiciais”, que teriam sido cometidas por policiais ou militares.
Também foram relatados milhares de outros casos de violações aos direitos humanos, incluindo pessoas feridas por ação de agentes do Estado, prisões abusivas e violência sexual.
Encontro com Lasso
Uma curiosidade do pronunciamento desta sexta-feira é que ele ocorre no dia seguinte à reunião bilateral entre Boluarte e o presidente do Equador, Guillermo Lasso.
A ironia do encontro entre Lasso e Boluarte, ocorrido nesta quinta-feira (15/06) na cidade peruana de Piura, é que o mandatário equatoriano realizou em seu país exatamente o que os movimentos peruanos pedem a Boluarte: decretou a antecipação das eleições presidenciais.
Contudo, é preciso entender o contexto: no caso equatoriano, o presidene direitista enfrentava um processo de impeachment que tinha grandes chances de ser aprovado, devido à maioria opositora no Congresso, razão pela qual acionou um instrumento constitucional chamado “morte cruzada”, que dissolve o Legislativo e obriga o chefe de Estado a convocar eleições gerais imediatamente.
Com isso, Lasso evitou sua própria destituição. Em paralelo, as autoridades eleitorais do Equador passaram a organizar às pressas as eleições gerais antecipadas, cujo primeiro turno foi marcado para o dia 20 de agosto – possível segundo turno seria em 15 de outubro.
No Peru, uma das justificativas da presidente Boluarte – eleita vice na chapa progressista com Pedro Castillo, mas que se aliou à direita após assumir o poder – para não apoiar os projetos de antecipação das eleições era a de que “é preciso tempo para se organizar eleições gerais”, razão pela qual, segundo ela, seria impossível que estas ocorressem ainda em 2023.
Porém, a mesma Boluarte foi uma das primeiras em apoiar seu homólogo equatoriano, inclusive elogiando sua decisão de antecipar as eleições em seu país. “Respeitamos uma decisão que foi adotada dentro do marco constitucional e esperamos que o próximo processo eleitoral no nosso país vizinho aconteça dentro dos parâmetros legais, em paz e com democracia”, expressou a mandatária.
(*) Com informações de La República, Infobae e TeleSur