Atualizada às 16h26
Em fevereiro deste ano, uma empresa que tem como maior acionista o governo da Noruega foi responsável por um grande vazamento de rejeitos de alumínio na região de Barcarena, no Pará. Em 2017, o país, um dos primeiros signatários do Acordo de Paris, foi processado por violar a convenção. Em 2015, Oslo liberou o descarte de rejeitos de minério altamente poluentes em fiordes, apesar de protestos.
Embora a Noruega assuma, publicamente, uma postura de preocupação com o meio ambiente, os atos, seja de empresas com ligações estatais, seja por ação direta do governo, apontam para uma direção completamente oposta, de promoção de poluição e danos ambientais.
Os casos no Brasil são exemplares: a Hydro Alunorte, controlada pela Norsk Hydro, acumula, sozinha, mais de 2.000 processos relacionados a crimes ambientais. O Estado da Noruega é o maior acionista da empresa, com 34,3% das ações, seguido pelo fundo de pensão do governo norueguês (6,5%). No país, a Norsk também controla a Albras, outra envolvida em casos de vazamentos de resíduos tóxicos.
No caso mais recente, o de fevereiro, um laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC) comprovou que as regiões de Bom Futuro, Vila Nova e Burajuba registraram altos índices de contaminação. Segundo o relatório, “as águas apresentaram níveis elevados de alumínio e outras variedades associadas aos rejeitos gerados pela Hydro Alunorte”. A análise apontou ainda que as amostras de água colhidas pelo instituto apresentaram níveis de sódio, nitrato e alumínio acima do permitido, além de quantidades elevadas de chumbo.
Foto: Thiago Gomes
Em fevereiro deste ano, empresa controlada pelo governo norueguês foi responsável por grande vazamento no Pará
Uma vistoria comprovou a existência de um duto clandestino de rejeitos de bauxita no rio Muripi. Na última semana (13/03), uma nova vistoria descobriu a existência de um segundo duto. Após o assunto começar a pautar a mídia norueguesa, a Hydro admitiu a um jornal do país que fazia, desde o dia 17 de fevereiro, despejos controlados, sem autorização, em um canal que passa ao lado da refinaria.
A empresa negava, no entanto, a existência de vazamentos em sua área de depósitos de resíduos sólidos. Somente nesta segunda-feira (19/03), a companhia reconheceu que houve vazamento. “Descartamos água de chuva e de superfície da refinaria não tratada no rio Pará”, afirmou o CEO da empresa, Svein Richard Brandtzaeg, em comunicado.
A nota afirma ainda que o vazamento ''é totalmente inaceitável e rompe com o que a Hydro representa. Em nome da empresa me desculpo pessoalmente com as comunidades, as autoridades e a sociedade”. “Toda a água da chuva e da superfície da refinaria da Alunorte deveria ter sido levada para o sistema de tratamento de água”, afirmou o grupo.
Embaixada
Em nota enviada à reportagem de Opera Mundi (veja íntegra abaixo) nesta segunda-feira, a Embaixada da Noruega no Brasil diz ter “expectativas claras” quanto à responsabilidade social de suas empresas.
“O governo norueguês exige que as empresas norueguesas afiliadas que operam no exterior respeitem os direitos humanos fundamentais em todas as suas atividades, trabalhem ativamente contra a corrupção, protejam o meio ambiente, e contribuam para o desenvolvimento sustentável. O Estado norueguês é acionista em várias grandes empresas e tem expectativas claras com relação à responsabilidade social corporativa delas, incluindo questões ambientais. Essas expectativas são comunicadas aos respectivos Conselhos de Administração”, afirmou a representação diplomática do país em Brasília.
Em entrevista à Deutsche Welle, a pesquisadora norueguesa Siri Aas Rustad, do Instituto de Pesquisa em Paz de Oslo, diz que a situação é, no mínimo, constrangedora. “Claro que essa é uma situação embaraçosa para o governo norueguês, pois eles investem muito dinheiro para salvar a Floresta Amazônica. Acredito que eles querem saber primeiro exatamente o que aconteceu. Faz três semanas que ocorreram os vazamentos. Em questões políticas, ainda é cedo para um governo pedir desculpas ou decidir o que a empresa deve fazer. A Hydro tentará solucionar o caso antes de o governo interferir”, afirmou.
Em junho do ano passado, a Noruega diminuiu pela metade o repasse ao Fundo da Amazônia sob a alegação de que os índices de desmatamento haviam aumentado na região. A decisão foi comunicada pessoalmente ao presidente Michel Temer pela primeira-ministra do país, a conservadora Erna Solberg.
Outros casos
Por meio de um fundo de pensão administrado pelo Norges Bank – o Banco Central norueguês – o país investiu em 2014 cerca de 76 milhões de reais na compra de uma parte da mineradora Companhia de Ferro Ligas da Bahia (Ferbasa). A Ferbasa, segundo o site The Intercept, é uma das empresas com mais pedidos abertos para explorar a Reserva Nacional de Cobre e Seus Associados (Renca), no norte do país, atividade que o presidente Michel Temer liberou em 2017 e recuou pouco tempo depois por causa das críticas.
O governo norueguês também faz uso de um método de descarte condenado por ambientalistas, o Deep Sumarine Tailing Disposal (DSTP), onde rejeitos de minério, altamente poluentes, são eliminados no fundo do oceano através de imensos tubos submarinos.
Em 2015, o governo passou uma lei que permitia que estes resíduos poluentes fossem eliminados nos famosos fiordes do país. A aprovação provocou reação da população, que, junto a ONGs, iniciou a campanha Save the Fijords. Apesar dos protestos, a decisão foi mantida.
Em 2017, Oslo foi processada, no âmbito do Acordo de Paris, em uma ação, movida pelo Greenpeace e outras organizações ambientais, que pedia a anulação de dez licenças concedidas pelo governo em 2016 autorizando exploração petrolífera na região do mar de Barents, no Ártico.
Segundo os grupos, além de violar o acordo, as licenças também violavam a Constituição norueguesa, que restringe esse tipo de exploração. O país, no entanto, venceu o processo contra os ambientalistas, mantendo as licenças concedidas às gigantes Chevron e Statoil. Esta última tem o governo norueguês como acionista majoritário (67%) e comprou 25% da participação da Petrobrás no Campo do Roncador, no norte fluminense.
Outro lado
Opera Mundi enviou uma série de perguntas nas últimas duas semanas, em diferentes oportunidades, à Embaixada da Noruega, questionando sobre o posicionamento do governo do país europeu em relação aos casos do Pará e as questões ambientais de outras empresas ligadas a Oslo, a saber:
· O governo norueguês, maior acionista da Alunorte, pretende penalizar a Norsk Hydro de alguma forma?
· Como o governo norueguês se posiciona a respeito do vazamento, que conforme laudo, ocorreu por meio de um duto clandestino?
· O governo norueguês tinha conhecimento da existência deste duto?
· No ano passado o, governo da Noruega cortou parte do fundo da Amazônia, como forma de penalizar o governo brasileiro por conta do aumento do desmatamento. A Noruega tem feito a mesma cobrança quanto a crimes ambientais cometidos por empresas financiadas pelo país?
· Os casos de vazamento são recorrentes na região, muitos deles ligados a duas empresas (Hydro Alunorte e Albras) cujo a acionista majoritária é a Norsk Hydro. A Noruega se responsabiliza por esses crimes?
· O país tem tentado criar mecanismos para diminuir a incidência de incidentes como esse?
· A Noruega não vê contradição em penalizar o Brasil pelo aumento do desmatamento ao mesmo tempo que é sócio de empresas como a Companhia de Ferro Ligas da Bahia, uma das principais empresas com pedidos abertos para explorar a Reserva Nacional de Cobre e Seus Associados (Renca)?
· A Hydro admitiu que realizava “vazamentos controlados”, sem autorização, desde 17 de fevereiro, em um canal próximo da refinaria. Com essa admissão, o governo norueguês, que possui 34% das ações da Hydro, não pretende penalizar a empresa de nenhuma forma?
· Não há responsabilidade da Noruega nos crimes ambientais cometidos no Brasil por meio de empresas onde o país tem participação acionária?
· A Noruega foi o primeiro país a ser processado por descumprir o Acordo de Paris, ao conceder licenças de exploração de petróleo no Ártico. Este fato não contradiz a postura de proteção ambiental assumida pelo país?
Em resposta, os representantes diplomáticos do país enviaram somente o seguinte comunicado:
“O Governo Norueguês detém 34,3% das ações da Norsk Hydro, uma produtora de alumínio listado na Bolsa de Valores de Oslo. Como acionista, o Governo espera que a Hydro seja líder de seu setor na preservação ambiental, e que a empresa lide de forma séria com a situação na refinaria de alumina Alunorte, em Barcarena. Em uma reunião na quinta-feira, 15 de março, com o Ministro norueguês de Comércio, Torbjørn Røe Isaksen, o Governo norueguês reiterou à Hydro suas expectativas de que a empresa aja com seriedade diante da situação em Barcarena. O levantamento de informações, e o diálogo com as autoridades locais e as partes interessadas, são fundamentais ao considerar possíveis medidas. O Governo norueguês tem a impressão que a Hydro está tratando a situação com a máxima seriedade e aderindo à todas as decisões tomadas pelas autoridades brasileiras pertinentes.
Os desafios ambientais que ocorreram após as fortes chuvas em Barcarena, e as alegações de que a refinaria da Alunorte pode ser responsável, são questões que devem ser tratadas pelas autoridades brasileiras pertinentes. O levantamento de informações acerca dos acontecimentos está em andamento e ainda não está concluído.
A Hydro informou ao Governo norueguês que está acatando as decisões tomadas pelas autoridades brasileiras à esta questão. Além disso, a empresa informou ao Governo norueguês que iniciou uma série de ações, incluindo o estabelecimento de uma força-tarefa interna, e o envolvimento da empresa brasileira de consultoria em meio ambiente SGW Services para levar a cabo uma análise abrangente do assunto. A Hydro atualiza com frequência notícias sobre a situação da refinaria da Alunorte, em Barcarena, em seu site.
O Governo norueguês tem a impressão de que a Hydro está tratando a situação com a máxima seriedade e cooperando com as autoridades brasileiras para descobrir exatamente o que ocorreu durante as fortes chuvas. A Embaixada da Noruega em Brasília está acompanhando a situação de perto e facilita o diálogo entre a Hydro e as autoridades brasileiras quando, e se, necessário.
Propriedade da Hydro
A Hydro é uma grande empresa de alumina listada na bolsa de valores de Oslo. A empresa tem propriedade diversificada. Aproximadamente 47% dos acionistas da empresa são investidores internacionais, de fora da Noruega.
O Governo norueguês detém 34,3% das ações. O Governo espera que todas as empresas norueguesas demonstrem responsabilidade social corporativa, estejam elas sob propriedade privada ou pública, e independentemente se suas atividades estão localizadas na Noruega ou no exterior.“
Questionada, a Hydro Alunorte afirmou que “vedou e reforçou a proteção de uma tubulação que foi detectada durante uma inspeção pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS)”.
A empresa disse também que “tem realizado diariamente reuniões de diálogos com as comunidades e está comprometida com uma análise abrangente nas comunidades próximas à sua refinaria para entender em toda sua complexidade as condições da água nesta área de Barcarena. Neste momento, a empresa está colaborando na distribuição de água potável na região. A empresa também está comprometida a colaborar na busca por soluções que proporcionem o acesso permanente à água potável”.