O governo e um setor da oposição da Venezuela assinaram nesta terça-feira (17/10) um acordo sobre cronograma e definições técnicas para as próximas eleições presidenciais. Segundo o documento, o pleito deve ser realizado no segundo semestre de 2024 e contará com missões de observação da União Europeia, do Centro Carter e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Além disso, ambas as partes concordaram em respeitar os resultados eleitorais e colaborar para a criação de “um clima social e político favorável ao desenvolvimento de um processo eleitoral pacífico e participativo”.
A rodada de negociação desta terça-feira aconteceu em Brigdetown, capital de Barbados, e foi acompanhada por representantes dos países mediadores – Noruega e México – além do chanceler colombiano, Álvaro Leyva, e de Celso Amorim, assessor especial para assuntos exteriores do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa é a primeira vez que governo e o setor de oposição chamado Plataforma Unitária Democrática (PUD) assinam um acordo desde novembro do ano passado, quando a delegação opositora concordou em desbloquear mais de US$ 3 bilhões que pertencem ao Estado venezuelano e que estão congelados em contas estrangeiras. O governo, no entanto, denuncia que a PUD nunca cumpriu o combinado, o que fez com que as negociações ficassem suspensas por quase um ano.
Apesar de não mencionar a liberação dos fundos acordados no ano passado, o acordo de hoje deve ter reflexos econômicos. Isso porque uma das exigências feitas pelos EUA para flexibilizar as sanções contra a indústria petroleira venezuelana era, justamente, a definição de um cronograma eleitoral.
Após a cerimônia de assinatura, o chefe da delegação governista e presidente do Legislativo venezuelano, Jorge Rodríguez, disse que o acordo de hoje foi “um primeiro passo” para que as sanções “sejam eliminadas de maneira progressiva”.
“Esse é o primeiro passo de um acordo muito mais amplo que está em plena evolução, construção e execução. Nos próximos dias veremos alguns resultados que são consequências do acordo assinado hoje com um dos setores da oposição venezuelana”, disse.
Nesta segunda-feira (16/10), uma matéria do jornal Washington Post aventou a possibilidade de que os EUA pudessem eliminar sanções contra a Venezuela caso o acordo assinado hoje previsse cronograma eleitoral e fim de inabilitações de pré-candidatos opositores.
No mesmo dia, durante a exibição do programa semanal Con Maduro +, o presidente venezuelano Nicolás Maduro chegou a comentar a matéria do jornal estadunidense e a chamou de “mentirosa”. Já nesta terça-feira, após a divulgação dos acordos, Jorge Rodríguez foi questionado sobre a inclusão do tema das inabilitações nos documentos, ao que o governista respondeu que o tema é “muito pequeno para o tamanho da importância dos acordos”.
“E na alusão que se faz, [o documento] diz: ‘se promoverá a autorização a todos os candidatos presidenciais e partidos políticos, sempre que cumpram com os requisitos estabelecidos para participar na eleição presidencial consistentes com os procedimentos da lei venezuelana’, e qual é a lei venezuelana? Todas que tratam dos direitos políticos e eleitorais vigentes. Em todas essas leis estão as condições para que você participe das eleições”, disse.
Governo de Venezuela
Opositor Gerardo Blyde e governista Jorge Rodríguez se reuniram em Barbados
A polêmica sobre a possibilidade de candidatos inabilitados participarem das eleições surgiu após a pré-candidatura da ex-deputada ultraliberal Maria Corina Machado. Desde 2015, ela está proibida pela Controladoria-Geral da República de ocupar cargos públicos por 15 anos após apresentar irregularidades em sua declaração de patrimônio durante o período em que foi parlamentar (2011 – 2014).
Já o chefe da delegação opositora, Gerardo Blyde, mencionou o tema à imprensa e disse que o acordo estabeleceu “uma rota para que os inabilitados e seus partidos recuperem seus direitos com celeridade”. “Hoje assinamos um importante acordo e demos um sólido passo para recuperar a confiança no voto. Um acordo que inclui garantias para que os processos internos de escolha de nossos candidatos sejam respeitados”, disse.
Os partidos e forças políticas que compõem a PUD tentarão definir uma candidatura presidencial unificada no próximo domingo (22/10) através de eleições primárias. O processo, no entanto, enfrenta dificuldades logísticas e vem tendo sua legitimidade questionada, inclusive por partidos da direita.
A desistência de três candidatos considerados favoritos no campo da direita, a renúncia de alguns dirigentes da comissão organizadora e a recusa dos opositores em aceitar apoio técnico do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) fazem com que o processo possa ter pouca participação e resulte em um aprofundamento das divisões internas.
Registro Eleitoral e ativos no exterior
O acordo eleitoral assinado ainda contempla uma atualização do Registro Eleitoral do país pelo CNE, o que na prática permitiria a inclusão de novos eleitores que completaram 18 anos recentemente, e também a regularização da situação eleitoral de venezuelanos no exterior.
Cadastrar eleitores migrantes também implicaria em um esforço diplomático por parte de Caracas, já que durante os anos em que o ex-deputado Juan Guaidó foi reconhecido por alguns países como “presidente interino” várias embaixadas venezuelanas ao redor do mundo foram fechadas ou tiveram seus funcionários retirados.
Um segundo acordo também firmado entre governo e oposição prevê a defesa do território do Esequibo como parte territorial da Venezuela. O enclave localizado na fronteira com a Guiana está em disputa entre os dois países desde o século 19 e ganhou novos elementos nos últimos meses, quando o governo guianense autorizou a perfuração de poços petroleiros na parte marítima do território.
Além disso, o acordo menciona a defesa da empresa estatal Citgo, subsidiária da PDVSA que fica nos EUA e está ameaçada de ser leiloada pela Justiça norte-americana para quitar débitos com credores, em um processo iniciado por vácuos representativos após Guaidó e aliados se apropriarem da companhia.