Desde a implantação do controle de preços na Venezuela, em 2003, a disputa entre o governo e os produtores tem gerado vários períodos de escassez de alimentos. O pior foi em 2007, quando açúcar, arroz, feijão e leite sumiram das prateleiras às vésperas de um referendo para promover uma ampla reforma constitucional – incluindo o fim do limite à reeleição, que o presidente Hugo Chávez conseguiu aprovar no mês passado, em outro referendo.
Na época, a derrota do governo chegou a ser interpretada como uma conseqüência do desabastecimento. “Tem uma estratégia de alguns setores produtivos de sabotagem e abuso de poder”, avalia Mark Weisbrot, co-diretor do Centro de Pesquisas de Política Econômica (Cepr), em Washington. Mas o economista reconhece que a Venezuela enfrenta um problema de falta de competitividade, provocado pelo controle do câmbio, introduzido em 2003, assim como o tabelamento de preços.
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Com o dólar cotado a 2,15 bolívares fortes*, ou seja, mais barato do que em relação do real, surgiu um problema de supervalorização da moeda venezuelana, ilustrado pela existência de um câmbio paralelo, de 5,7 bolívares fortes por dólar, uma diferença de mais de 250%. “O controle de câmbio faz com que as importações sejam artificialmente mais baratas, na prática. Para o governo, é mais interessante importar que produzir”, acrescenta Mark Weisbrot.
Hoje, cerca de 70% dos alimentos que vão à mesa dos venezuelanos são importados, provenientes em sua maioria do Brasil e da Colômbia. A reforma agrária iniciada em 2002 não conseguiu reverter o quadro.
Possível em situação de bonança, esta escolha fica insustentável no longo prazo. O excedente comercial que permitiu que Caracas comprasse quantidades crescentes de alimentos no exterior está caindo. Ao longo de 2008, as exportações, num total de 87 milhões de dólares, superaram largamente as importações (45 bilhões). Mas a situação foi invertida no quarto trimestre, com uma contração de 47,2% nas vendas e crescimento de 18% nas compras, provocando um déficit de 4,5 bilhões.
Para Mark Weisbrot, a situação é mais um problema de desenvolvimento que uma fonte de crise econômica. Ele acredita que as reservas do país (40 bilhões de dólares) permitem custear os gastos durante dois anos, “e todo mundo sabe que o petróleo vai voltar a subir”, conclui.
Porém, a decisão de assumir o controle das plantações de arroz e impor cotas de produção deve aumentar a desconfiança do setor privado, que apesar de ainda representar 60% do Produto Interno Bruto (PIB), teve crescimento zero no ano passado, apresentando contração de 0,6% no último trimestre.
O crescimento total da economia, bem inferior à inflação (4,8%, contra mais de 30%), foi o resultado unicamente do aumento da atividade do setor público (16,4%). Isso implica um esforço cada vez maior por parte das finanças públicas.
É nesse contexto que Hugo Chávez promoveu nestes últimos dias uma nova reforma em seu gabinete. Ele substituiu seis ministros, inclusive o da Defesa, cuja função será acumulada pelo vice-presidente, Ramón Carrizales. O presidente voltou a nomear Jorge Giordani para o Planejamento, cargo que ocupou duas vezes, sempre em épocas de crise aguda. A decisão foi interpretada como um sinal de possíveis mudanças no campo econômico.
O ministro de Comunicação, Jessé Chacón, disse que a reorganização do gabinete responde à vontade do presidente de o governo ser “mais eficaz em seu trabalho de construção do bem-estar”.
* Há um ano, o governo venezuelano cortou três zeros do bolívar, numa tentativa de fortalecer a moeda, portanto 1000 bolívares equivalem a 1 bolívar forte. As duas moedas ainda estão em circulação.
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