Considerada um retrocesso por organizações feministas, a reforma da lei de aborto foi barrada nesta terça-feira (23/09) pelo presidente Mariano Rajoy. Movimentos feministas e partidos de esquerda do país comemoraram a decisão por considerar que a criminalização da prática, prevista na reforma, significaria a perda de direitos já adquiridos pelas mulheres. Descontente com o considerava um projeto do governo, o ministro da Justiça, Alberto Ruiz Gallardón, pediu demissão e anunciou que se retira definitivamente da vida política do país.
Agência Efe
Ato em fevereiro reuniu manifestantes contra medidas propostas pelo governo Rajoy
“Eu assumi o compromisso de reformar a lei do aborto como consequência do encargo de responsabilidades feito pelo governo no começo do mandato. Eu agi de acordo com a ideologia do nosso partido [PP] e com o critério estabelecido no recurso de inconstitucionalidade de nosso partido contra a Lei de 2010. O governo tomou a decisão de não seguir adiante com esse anteprojeto de lei. Não teve capacidade de transformar o anteprojeto aprovado no conselho de ministros em um projeto e colocá-lo em trâmite diante das Cortes tal como era o compromisso que havíamos feito no próprio governo”, disse Gallardón ao justificar a decisão.
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O secretário-geral do PSOE (Partido Socialista Espanhol), Pedro Sánchez, que faz oposição ao governo, comemorou a decisão. “Quero agradecer de coração a todas as associações de mulheres, aos coletivos, aos profissionais e a todas as mulheres pela luta, porque com ela frearam a contrarreforma da lei de aborto que pretendia perpetrar o governo de Rajoy”.
A presidente das Mulheres Juristas Themis, Amalia Fernández Doyague, disse que Gallardón será lembrado por seus esforços de levar adiante uma reforma que concebia as mulheres como “incapazes de tomar decisões” e “condenava e estigmatizava” os médicos.
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Já o presidente do partido Vox, Santiago Abascal, pediu que o PP (Partido Popular) não apoie a decisão de Rajoy, que é do PP, por entender que a atitude do presidente foi “covarde”. Para Abascal, a retirada da lei foi uma “desfeita a centenas de milhares de mortes que o aborto provoca a cada ano” e “uma covardia própria de Rajoy, que não é capaz de defender seu próprio programa eleitoral”.
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Gallardón deixa a política após 30 anos de atividade. Ele também irá renunciar ao seu assento no Congresso dos Deputados
A lei
Uma pesquisa publicada no jornal El País em abril deste ano apontou que 46% dos espanhóis gostariam que a lei do aborto não mudasse, enquanto 41% defenderam uma legislação mais rígida.
A Lei do Aborto, que entrou em vigor em julho de 2010, ampliou a legislação vigente e passou a permitir que jovens maiores de 16 anos abortem até a 14ª semana de gestação sem a necessidade de autorização dos pais. A permissão pode se estender até a 22ª semana da gestação em caso de risco de vida para a mãe ou graves anomalias no feto.
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Desde que o ministro apresentou a reforma da lei, em 20 de dezembro de 2013, organizações feministas em todo o país iniciaram uma campanha para frear a regulação por entenderem que ela imporia maior restrição a um direito fundamental para as mulheres desde a primeira lei aprovada em 1985. Em fevereiro deste ano, uma marcha em Madri reuniu milhares de pessoas contrárias à mudança na legislação. A orientação, no entanto, é de manter a mobilização para que não haja mais retrocessos na lei.
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A reforma faria com que o aborto deixasse de ser um direito da mulher para ser um ato ilegal. A prática seria permitida somente em duas situações: estupro ou casos em que a gravidez implicasse em perigo para a saúde física ou psíquica da mãe. Também retiraria a possibilidade de fazê-lo em casos de má formação do feto.
Para a interrupção, as mulheres precisariam de laudo de dois médicos e as garotas menores de 18 anos não poderiam decidir sobre a interrupção da gravidez sem permissão paterna.
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Rajoy afirmou que medida foi retirada por falta de consenso, mas manterá necessidade de consentimento para menores de 18 anos
O projeto de lei também previa a objeção de consciência de todos os médicos que participassem do processo de interrupção da gravidez. A objeção deveria ser comunicada ao diretor do centro cinco dias antes dos trabalhos.
A medida faria da Espanha o país mais restritivo para a prática do aborto em toda a Europa, segundo os ativistas do país. A legislação em vigor considera que a interrupção da gravidez é um direito da mulher até a semana 14 de gestação e até a 22ª em caso de risco para a saúde da mãe ou graves anomalias no feto.
De 1985 a 2011, foram realizadas 1,7 milhão de interrupções voluntárias de gravidez sob o amparo da lei de despenalização do aborto de 1985.