O presidente francês, Emmanuel Macron, não tem conseguido conter a insatisfação da população com a controversa reforma da Previdência. Com a continuação dos protestos em todo o país, o governo vem apelando a medidas consideradas autoritárias e que suscitam a preocupação da opinião pública.
Proibição de protestos e de materiais que façam barulho durante as manifestações, detenções preventivas, mobilização cada vez maior de policiais: o governo francês recorre a métodos cada vez mais repressivos para lidar com a crise social. Paralelamente, o desgosto da população com a atitude do Executivo não dá sinais de diminuir.
No último 1° de Maio, a França foi palco de uma participação recorde nos atos no Dia do Trabalhador, com 2,3 milhões de pessoas nas ruas, segundo as centrais sindicais [782 mil segundo a polícia]. Em comparação a 2022, o número de manifestantes foi sete vezes maior.
Lei contra vândalos
Impassível diante da mobilização, o governo opta por adotar o discurso do aumento da violência contra policiais durante os protestos para justificar iniciativas como a criação de uma lei “antibaderneiros”. O projeto vem sendo discutido entre o ministro da Justiça, Eric Dupont-Moretti, e o ministro do Interior, Gérald Darmanin. O objetivo é proibir a participação de manifestantes violentos nos protestos, uma iniciativa que preocupa especialistas.
Em entrevista ao jornal La Croix, o jurista Nicolas Hervieu lembra que a França já conta com um rígido arsenal jurídico para repreender vândalos. Desde 2012, cerca de 20 leis de segurança foram adotadas. Já o advogado Arié Alimi aponta para a existência de uma “inflação legislativa repressiva às manifestaçõoes”.
Em 2019, durante a crise dos coletes amarelos, um projeto de lei similar foi invalidado pelo Conselho Constitucional – a mais alta jurisdição da França – e nunca entrou em vigor. O texto foi considerado “um ataque ao direito de expressão coletivo de ideias e opiniões, que é garantido pela Declaração dos Direitos Humanos, criada em 1789 na França.
O temor é que, adotando uma nova lei com a justificativa de impedir pessoas violentas a manifestarem, a liberdade de expressão seja ela própria desrespeitada. Opositores dizem que esse é mais um passo do governo para tentar reprimir uma revolta popular que persiste desde janeiro.
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Manifestantes fogem de gás lacrimogêneo atirado pela polícia francesa
Detenções arbitrárias
A quantidade de pessoas detidas preventivamente nos atos contra a reforma da Previdência continua sendo alta. Nos protestos de 23 de março, que tiveram participação recorde, 457 pessoas foram presas em toda a França. Nas manifestações do 1° de maio, houve 540 detenções.
Na quarta-feira (03/05) foi divulgado um relatório da Controladoria Geral de Locais de Privação de Liberdade, um órgão independente, denunciando uma série de irregularidades durante as operações policiais nas manifestações. Além de detenções arbitrárias, o documento também aponta para abordagens violentas, permanência de manifestantes nas delegacias sem nenhuma justificativa, selas precárias, suspeitos sendo revistados despidos, entre vários outros descumprimentos de protocolos.
A autora do relatório, Dominique Simonnot, junto com equipes que ajudaram na elaboração dele, divulgaram os resultados do balanço depois de acompanharem o trabalho da polícia em nove delegacias de Paris. A conclusão é de uma instrumentalização geral das medidas de detenção preventiva. O documento também afirma que 80% das pessoas detidas durante as manifestações foram libertadas horas ou dias depois sem nenhuma justificativa ou acusação.
O relatório é divulgado na mesma semana em que a Organização das Nações Unidas acusou a França de ataques a imigrantes, discriminação racial e violência policial durante manifestações. Várias delegações fizeram duras críticas ao governo francês, como a Suécia, a Noruega e a Dinamarca. A delegação de Liechtenstein pediu uma investigação independente sobre os excessos das forças de segurança e a de Luxemburgo solicitou que a França “repensasse sua política em termos de manutenção da ordem”.
Ultraje e insulto ao presidente
Na quinta-feira (04/05), o jornal Libération revelou uma série de decisões arbitrárias contra cidadãos que se posicionam contra o governo. É o caso de um homem de 77 anos, da região do Eure, no norte da França, que foi processado por ter colocado em frente de casa um cartaz com uma mensagem “Macron, a gente te manda à merda”. Segundo a polícia local, o idoso só não foi detido devido à idade avançada. No entanto, foi condenado a fazer um estágio sobre cidadania.
Outro caso polêmico diz respeito a um professor em Nice, no sul da França, que foi detido para interrogatório no final de março após ter colocado um espantalho com a cara do Macron nos trilhos de uma estação de trem durante uma manifestação. O homem foi ouvido pela polícia durante oito horas por “ultraje à autoridade política” e “provocação pública”.
Na região de Pas de Calais, no norte da França, uma mulher também foi detida para interrogatório após ter chamado Macron de “lixo” no Facebook. Segundo as autoridades locais a medida foi tomada depois da descoberta de uma pixação da mesma palavra em um depósito de dejetos perto de sua casa. Ela será julgada em junho por “ultragem” e “insulto” contra o presidente.