Os violentos ataques de gangues armadas em bairros de Porto Príncipe, capital do Haiti, continuam forçando os moradores a abandonarem suas casas. Apenas no bairro de Carrefour-Feuilles, pelo menos 5 mil pessoas tiveram que fugir da ação de grupos criminosos. A violência destas facções já matou mais de 2,4 mil pessoas desde o início do ano, informou a Organização das Nações Unidas (ONU) nesta sexta-feira (18/08).
A situação segue sem trégua para os haitianos nos últimos dias. A escalada de tensão no Norte de Porto Príncipe é observada também no bairro de Solino, no coração da capital.
Muitas pessoas que fugiram de Carrefour-Feuilles estão abrigadas em um ginásio da cidade, relata a. Entre os desabrigados há muitas mulheres idosas e crianças. Embora as autoridades forneçam alimentação e algum acesso à higiene pessoal, quase todos dormem no chão.
“A situação é muito difícil”, testemunha um jovem de Carrefour-Feuilles. “Os bandidos me empurraram para fora de casa. Tudo está totalmente paralisado. Peço às autoridades que coloquem esses bandidos fora e protejam a área. Os bandidos queimaram casas quando a população já vivia com dificuldade”, ele continua.
Uma outra moradora conta que ouviu integrantes de um grupo criminoso entrarem nas casas dos vizinhos, antes de estuprá-los e matá-los. “Depois eles saquearam as casas. E o que eles não podiam levar, eles queimavam”, ele descreve. “Imagine meu filho de 9 anos, que presenciou essas cenas! Ele ficará traumatizado pelo resto da vida. Até eu estou traumatizada. Estou pensando se devo procurar um psicólogo, porque sinto que estou ficando louca”, narra a mulher.
Armados com facões
Alguns habitantes de Carrefour-Feuilles optaram por buscarem abrigo para suas famílias e voltaram pessoalmente ao bairro para defenderem suas casas. “Não temos recursos, mas estamos criando estratégias como uma brigada de vigilância, armada com nossos facões e acompanhada por alguns policiais que moram na área. Não é suficiente, porque a polícia da área não tem muitos meios. Não há munição para combater as gangues, porque elas têm armas de calibres muito maiores”, compara um homem.
OHCHR / ONU
Escalada de tensão é observada em diferentes bairros do Norte de Porto Príncipe
Abrigada no ginásio na cidade, uma jovem cercada por seus quatro filhos pequenos conta que bandidos armados invadiram sua casa e mataram sua irmã, porque ela se recusou a deixar o local. “Não me sinto bem, tenho asma, e faz calor muito calor aqui. Estou fora da minha casa desde domingo. As pessoas nos dão comida, mas é difícil. Ainda não consegui tomar banho e nem tive tempo de trocar de roupa”, ela conta.
Jerry Chandler, diretor da Proteção Civil, explica que as pessoas forçadas a deixarem suas casas estão espalhadas por uma dezena de locais: “Há muitas mulheres e crianças entre as vítimas, e continuamos a trabalhar com nossos parceiros para apoiá-las. E nesse sentido conseguimos prestar alguma assistência alimentar aos deslocados. Existem diversas ações em curso, para assegurar também o acesso à água potável”.
Chandler descreve ainda os esforços do Ministério da Saúde para atender os deslocados cuja situação é agravada por problemas de saúde. “Listamos pessoas com hipertensão ou com doenças crônicas. O Ministério deve organizar suas transferências para centros de saúde para que possam receber cuidados apropriadas”, explica o diretor.
‘Só recuam quando a munição acaba’
Muitos cidadãos acusam o governo do país de não enviar os reforços necessários. “É como se as autoridades estivessem nos entregando no açougue. À noite você não consegue dormir, bandidos atacam pessoas, idosas, grávidas, crianças. Eles só recuam quando a munição começa a acabar. Está um caos”, explica mais um morador.
“O governo tem a obrigação de proteger a população e deve intervir para restaurar a ordem e a segurança. A polícia, no entanto, está mal equipada e não pode não realizar diversas operações simultâneas”, observa Jean Gédéon, do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos.
A organização expressa sua preocupação também com ativistas de direitos humanos, que, assim como a população de Porto Príncipe, estão sitiados pelas gangues. “Estamos trabalhando em condições extremamente difíceis, por isso pedimos a cooperação internacional para finalmente fazer algo, para que a ordem seja restaurada na comunidade. É realmente a única maneira de resolver os problemas quando a polícia não tem os meios adequados para proteger a vida, para proteger a propriedade”, insiste Gédéon.