No extremo sul do país, justo onde termina a terra e se adivinha à distância as praias do Sri Lanka, o tsunami de 2004 invadiu a costa da Índia e levou 12405 vidas. As águas lamberam várias dezenas de metros de terra firme no Estado de Tamil Nadu, o mais afetado pelo desastre. Foi assim, na zona costeira perto da aldeia de Idindharakai, onde o governo hindu há poucos dias começou a operar a nova planta nuclear de Koodankulam. O alarme é geral entre a população, salvo alguns burocratas e o governo russo, que financia o projeto.
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Arquivo pessoal
Moradores de Idindharakai e de outras comunidades – pescadores e camponeses pobres em sua maioria – se organizaram no Movimento Popular contra a Energia Nuclear (PMANE, por sua sigla em inglês).
[S.P. Udayakumar, do PMANE: “globalização nuclear” segue “a mesma lógica da hipocrisia norte-americana”]
Milhares protestam constantemente, enfrentando desarmados a polícia. Segundo S.P. Udayakumar, figura principal do PMANE, “hoje há 312 denúncias contra 227 mil pessoas (nomeadas e não nomeadas), com acusações como a insurreição contra 8500 pessoas e de ‘guerra conta o Estado’ contra outras 13500.”
As manifestações contra a planta nuclear começaram há 12 anos, quando foi inaugurado o projeto, mas se intensificaram no final de 2011, depois do desastre provocado pelas ondas na Usina de Fukushima Daiichi, no Japão.
Recentemente o diretor responsável pelo local, presente na hora do vazamento de material radioativo, faleceu de câncer.
Em 10 de setembro do ano passado, em uma das maiores concentrações do movimento, milhares de pessoas pretendiam marchar da praia até a planta, mas foram interceptadas por um contingente de 6 mil policiais, que usou cassetetes e disparou livremente. Morreu Anthony Joseph, um pescador de 48 anos.
Queima do carvão
Os acontecimentos poderiam ser analisados levando em conta que a Índia, terceiro produtor mundial de carvão, precisa de alternativas de matriz energética: pouco mais de 51% da energia produzida vem da queima de carvão. Dessa forma, a mudança climática e a necessidade de energias limpas poderiam explicar o problema, mas não explicam o uso de materiais de baixa qualidade e a falta de inspeção das obras por parte do governo, como o PMANE denunciou nos últimos dois anos.
Tampouco explica a férrea resistência da população, que organiza concentrações massivas, noites de vigília com crianças na praia e, também, moveu processos contra o governo em diversas cortes por todas as irregularidades. “Faz tempo que apresentamos uma ação na Suprema Corte de Nova Délhi, exigindo cópias do Informe de Avaliação do Local e do Informe de Análise de Segurança. Isso está para ser resolvido”, exemplifica a Opera Mundi Udayakumari.
Repressão em frente a Koodankulam, em setembro de 2012:
De toda forma, a produção de carvão cresce anualmente. E o acordo de financiamento para Koodankulam segue vigente, como explicou o embaixador russo Alexander Kadakin. “Somos o amigo genuíno da Índia”, disse em um evento em maio, “sócio privilegiado, estratégico e especial”.
De fato, Kadakin não somente aprovou o acordo nuclear entre russos e hindus, ele também atacou as pessoas que protestam, acusando-as de receber financiamento “externo” e negando as denúncias. “Nada está errado. Se algo estivesse errado, como poderia uma pasta militar conjunta ultrapassar os 20 bilhões de dólares?”, arrematou.
Bandeiras negras
Depois da repressão em setembro veio a solidariedade, como a dos sobreviventes do desastre químico provocado pela Union Carbide em Bhopal (1984). Sessenta cientistas indianos publicaram uma carta pedindo ao governo mais segurança e transparência na instalação de Koodankulam e A. Gopalakrishnam, ex-diretor do Comitê de Controle da Energia Atômica da Índia, publicou há alguns dias uma análise detalhando as falhas técnicas do projeto.
Por sua vez, o governo hindu acusou o PNAME de ser parte de uma conspiração contra o desenvolvimento. E, baseado nisso, congelou contas e fundos recebidos do exterior de mais de 20 ONGs que tiveram contato com o conflito. “Dissemos muitas vezes que o governo não tem prova alguma que comprove suas alegações”, disse o dirigente, que há dois meses divulgou suas finanças e propriedades para demonstrar que não recebe financiamento algum.
Nesse sentido, e com Koodankulam pronta para produzir energia elétrica, o governo acelerou a construção de outra planta em Chutka, no estado de Maya Pradesh. Ali, dezenas de milhares de índios gondi foram retirados de suas comunidades para a construção de represas do projeto nuclear. E começaram a se preocupar, não apenas por seus territórios, casas e modos de vida. Essa região no centro da Índia tem uma intensa atividade sísmica. Desta vez, o dinheiro e o apoio vêm de Washington.
O PMANE protestou em Idindharakai no dia 23 de junho, em uma marcha de bandeiras negras, contra a visita do secretário de Estado John Kerry, que veio entre outras coisas para ratificar o acordo nuclear entre os Estados Unidos e o governo em Délhi. Os ativistas tâmeis dizem que esta “globalização nuclear” segue “a mesma lógica da hipocrisia norte-americana, enfocada no dinheiro e a decepção imperialista.”
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