Um território de um quilômetro quadrado localizado no extremo oeste do Canadá, rente à fronteira com o Alasca, é o marco de uma mudança nos direitos dos povos indígenas. Quatro vilarejos na província de British Columbia habitados por índios Nisga’a Lisims são, hoje, a única área de reserva indígena do mundo cuja propriedade está dividida formalmente entre os seus moradores.
No fim do ano passado, os mais de 6 mil moradores receberam a escritura legal de suas próprias casas. Rompendo com padrões jurídicos de territórios indígenas adotados globalmente, inclusive no Brasil, os imóveis onde vivem os Nisga’a deixaram de ser patrimônio do Estado e viraram bens individuais, que podem ser vendidos para qualquer interessado, seja ele indígena ou não.
A terra, que para a maioria dos povos nativos é um bem comum, passou a ser patrimônio negociável em Nisga’a, despertando discussões e alimentando esperanças de desenvolvimento econômico para a população.
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“Com o tratado sobre a propriedade de terra em Nisga’a, a população passará a ter o mesmo direito sobre sua casa que qualquer cidadão canadense tem”, afirmou o porta-voz do governo eleito de Nisga’a, Kevin McKay. “Nosso povo poderá usar sua casa como garantia para pegar empréstimos em bancos e com isso abrir seu próprio negócio”.
Processo
Em entrevista ao Opera Mundi, McKay explicou que a alteração da condição jurídica da reserva de Nisga’a Lisims é fruto de um processo longo. Segundo ele, na década de 80, a comunidade já se organizava politicamente e demandava mudanças com relação aos direitos dos seus habitantes, principalmente quanto à soberania.
Em maio de 2000, conseguiu que governo nacional transferisse a propriedade de uma área de 2.000 quilômetros quadrados de reserva indígena para o governo local. Finalmente, no ano passado, a administração local aprovou a divisão da área residencial da reserva entre seus habitantes.
“A possibilidade de negociação da área foi só mais um passo na direção que estamos caminhando há muito tempo”, disse McKay.
Bom para quem?
A iniciativa pioneira levantou opiniões contraditórias dentro e fora de Nisga’a. A Assembleia das Primeiras Nações do Canadá, que representa cerca de 600 povos indígenas do país e 700 mil índios, demonstrou apoio à ação.
Michael Murphy, especialista em questões indígenas canadenses da Universidade do Norte de British Columbia, também é favorável. “Temos que respeitar a opção feita pelos próprios indígenas de forma democrática e soberana”, disse ao Opera Mundi. “Essa mudança abre uma grande oportunidade para o desenvolvimento da região.”
Steven Nyce, no entanto, um morador antigo de Nisga’a, não enxerga esta oportunidade com bons olhos. “Abrir a reserva para quem quiser morar aqui é bom para quem? Vai trazer dinheiro para quem?”, questionou em tom de revolta, em uma entrevista concedida ao canal de televisão CBC News. “Nosso povo vai migrar para a cidade”.
A professora da Universidade de Toronto, Lee Maracle, alerta para o fato de que a mudança relacionada à propriedade pode afetar as tradições da comunidade. “Não sou contra uma decisão democrática, mas tenho minhas ressalvas.”
Precaução
Kevin McKay reconhece que a transformação da reserva de Nisga’a Lisims não é unanimidade entre os habitantes, mas ressalta que foi uma demanda da maioria. Ele disse ainda que o processo de compra e venda de imóveis obedecerá às leis elaboradas pelo governo de Nisga’a, que está comprometido com a manutenção dos valores tradicionais, segundo ele.
McKay afirmou, entretanto, que o processo é irreversível e exemplar. Segundo ele, a intenção do governo é de, no futuro, dividir todos os 2.000 quilômetros quadrados da reserva. “Estamos fazendo uma experiência. Os povos indígenas do mundo estão assistindo atentamente ao que está acontecendo aqui”, disse ele. “Queremos que um dia todo cidadão de Nisga’a tenha o direito soberano de usar como bem entender o seu patrimônio”.
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