A era das altas taxas de crescimento econômico da Índia, que dura mais de duas décadas, está com os dias contados.
Nesta quarta-feira (05/02), oito especialistas no tema participaram do seminário “Índia 2020: a economia, o orçamento e as pessoas comuns”, na Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), em Nova Delhi, e diagnosticaram problemas que costumam ser ofuscados pelos números do Produto Interno Bruto (PIB). A principal crítica é que o governo não faz nenhum movimento no sentido de fomentar a demanda interna, o que poderia reaquecer a economia em 2020.
A Índia foi a sétima maior economia do mundo em 2018, com PIB de US$ 2,7 trilhões. No terceiro trimestre do ano passado, porém, o país registrou a taxa de crescimento mais baixa em seis anos.
O início da desaceleração coincide com um momento de aproximação ideológica com o Brasil. Jair Bolsonaro (sem partido) visitou o primeiro-ministro ultranacionalista Narendra Modi há pouco mais de uma semana. Além de assinarem 15 acordos bilaterais, eles fizeram questão de ressaltar suas afinidades – assim como Bolsonaro, Modi é criticado por manter uma postura agressiva em relação à imprensa e aos opositores.
Durante visita a Nova Delhi, Bolsonaro ignorou o prenúncio de crise e enalteceu o poderio econômico e militar indiano. Integrante da comitiva presidencial, o chanceler Ernesto Araújo falou sobre o que considera a “lição” da Índia: “Sob a liderança do primeiro-ministro Modi, a sociedade indiana está se modernizando sem abrir mão de suas tradições, suas raízes e sua essência”, disse o ministro, sem mencionar os ataques recentes do governo à comunidade muçulmana. “Só aqueles que se reconhecem como nações podem prosperar no mundo. Essa é a lição da Índia.”
Sonho antigo
A ideia de buscar inspiração no país asiático não é de hoje.
Na última década, o PIB da Índia avançou em um ritmo sete vezes mais intenso que o do Brasil. Em novembro de 2006, quando a Câmara dos Deputados sediou o “1º Seminário BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – Oportunidades e Desafios”, um dos textos debatidos foi “12 Lições da Índia para o Brasil”.
O artigo, escrito pelo jornalista José Fucs para a revista Época no mesmo ano, vislumbrava que, se o crescimento se mantivesse por alguns anos, as condições de vida da maioria da população indiana melhorariam.
A expectativa do autor não se realizou, e o abismo entre ricos e pobres persiste. Em 2015, no auge do crescimento econômico, a desigualdade atingiu o maior nível da história do país. Naquele ano, 21,2% dos cidadãos viviam abaixo da linha da pobreza – no Brasil, eram 3,4%. Hoje, Índia e Nigéria são responsáveis por um terço da pobreza extrema do mundo.
Os dados mais recentes de expectativa de vida mostram que, em média, os brasileiros tendem a viver seis anos a mais que os indianos. No ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil aparece em 79º e a Índia em 129º, dentre 189 países analisados.
Os modestos resultados sociais alcançados após duas décadas de grande crescimento acendem um sinal de alerta sobre o que pode acontecer quando a economia indiana desacelerar.
Diagnóstico
Um dos sinais da crise que está por vir na Índia é a inflação. Em dezembro de 2019, o preço médio dos alimentos subiu 14% em relação ao mês anterior.
O diagnóstico dos economistas é que o poder de compra da população vem caindo desde o primeiro governo de Modi, em 2014. Programas de transferência de renda implementados pelo governo anterior, do Partido do Congresso da Índia, recebem cada vez menos investimento.
Alan Santos/PR
Modi e Bolsonaro: exemplo para governo brasileiro, Índia enfrenta sinais de desaceleração da economia
Yamini Aiyar, presidenta do Center for Policy Research (CPR), ressaltou que o orçamento para 2020 caiu, em números gerais, e os setores que o governo considera prioritárias não evitarão a crise. “Uma das poucas áreas em que houve aumento de mais de 15% foi a infraestrutura rural, mas esses investimentos não são direcionados à geração de emprego no campo e à subsistência dos camponeses”, observou. “Os programas de auxílio e financiamento estão parados”.
Outra política abandonada pelo atual governo é o Public Distribution System (PDS), instrumento de combate à fome reconhecido internacionalmente. Embora o orçamento tenha sido mantido, os repasses são cada vez mais lentos – apenas 34% do previsto no ano anterior chegou aos beneficiários.
Em linhas gerais, o governo reconhece que a economia está em declínio e opta por diminuir o investimento público. Em contrapartida, diminui impostos de grandes corporações – e, consequentemente, a arrecadação – para tentar reanimar a iniciativa privada, que deixou de investir porque os níveis de consumo não são mais os mesmos.
Para Himanshu, doutor em Economia e professor da JNU, esse caminho já nasce derrotado: “O investimento público passa a ser direcionado a grandes empresários, na esperança de que vão gerar emprego. Mas, na melhor das hipóteses, o que vão fazer é sentar em cima do dinheiro ou investir no mercado especulativo”.
Os setores mais impactados pela desaceleração da economia são o imobiliário e o automotivo, o que revela que a classe média e os grandes empresários também estão receosos em investir. Ao mesmo tempo, o número de bilionários da Índia saltou de dois para cem desde 1990.
Do ponto de vista político, a polarização criada entre apoiadores do governo Modi e a comunidade muçulmana parece desagradar o mercado fora da Índia. Em janeiro, a capa da revista The Economist, que costuma representar o ponto de vista de investidores internacionais, criticou as medidas repressivas do primeiro-ministro por meio de mudanças na Lei de Cidadania em dezembro de 2019.
Sem perspectivas
Em março, um grupo de 108 economistas divulgou uma carta acusando o governo Modi de interferência política nas estatísticas de PIB e desemprego. A proporção de desempregados na Índia é de pouco mais de 6%, a maior em 45 anos.
“Não podemos focar só nos números, porque o governo não fornece uma base de dados de qualidade em que possamos nos debruçar e fazer uma análise”, analisou o economista Praveen Jah, lembrando que o problema da educação, por exemplo, não se resume a finanças.
O orçamento em educação cairá 8%, o que deve acentuar o processo de sucateamento das instituições públicas. Hoje, 77,8% das instituições de ensino superior são privadas e estima-se que 40% dos jovens estão desempregados e fora da sala de aula.
Segundo Dipa Sinha, economista e professora da Ambedkar University Delhi, o governo tem demorado em repassar verba para os estados, propiciando uma situação cômoda para as autoridades locais: “Isso legitima o não investimento e a corrupção, além de propiciar um contexto de privatizações, já que o Estado não consegue prover os serviços”.
A economista cita como exemplo a privatização de hospitais distritais que passaram a ser geridos por faculdades privadas de Medicina. Muitos continuam gratuitos para a população pobre, mas passam a cobrar mais caro das demais faixas de renda. “Em vez de aumentar o acesso, acaba diminuindo. E o objetivo é beneficiar essas faculdades”, explica.
A queda no poder aquisitivo dos idosos, elemento relevante para o declínio do consumo interno, está ligada à gestão da previdência social nos últimos dois governos. Desde 2007, o valor pago pelo Estado aos aposentados não mudou: cerca de 200 rúpias por mês, o equivalente a R$ 12,50 na cotação atual. O agravante é que a maioria dos trabalhadores atua na informalidade, não contribui e, por isso, não deve se aposentar: “Com esse valor de 200 rúpias, contribuir com a previdência pública perde o sentido. O objetivo é que as pessoas busquem previdência privada. Isso também é privatizar”, finaliza a pesquisadora.