Desde que o Equador anunciou que a autorização para o uso estrangeiro da base militar de Manta não seria renovada, de acordo com as regras da Constituição nacional, reformada em 2006, era esperado que os norte-americanos se mudassem de lá para a Colômbia, seu principal aliado na América do Sul, quando o prazo de permanência em território equatoriano vencesse.
Mas foi só no último 21 de julho, o dia seguinte à celebração dos 199 anos da independência colombiana da Espanha, que o governo finalmente soltou um comunicado no qual dizia estar em fase avançada de negociações com os Estados Unidos para a liberação de cinco bases militares aéreas nacionais (às quais talvez provavelmente serão somadas duas bases navais) para uso deste país. Mal foi recebida, a notícia suscitou fortes reações de analistas e da opinião pública colombiana e, especialmente, da comunidade internacional.
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São poucos os esclarecimentos oficiais até agora, e a imprensa colombiana tem sido o principal meio de divulgação dos termos do acordo, cuja última ronda de negociações acontece entre o fim de agosto e o começo de setembro – o que deixaria para outubro o começo das operações militares nas bases acordadas.
Sabe-se, no entanto, que o objetivo de Álvaro Uribe – contando com os recursos que serão investidos em espaços, pessoal e tecnologia militar – é o de aumentar a eficiência de sua política de Segurança Democrática, através da intensificação do Plano Colômbia, posto em prática em 2002 com ajuda financeira dos Estados Unidos.
Para isso, as bases aéreas serão ocupadas por militares e aviões norte-americanos destinados a interceptar vôos suspeitos de ter relações com o narcotráfico, entre outras operações de inteligência, assim como as navais, que interceptarão navios do mesmo gênero.
Mas o que se teme, além de uma possível ameaça à soberania colombiana, é que as operações realizadas ultrapassem a mera investigação e se convertam em ações hostis em território nacional ou, eventualmente, cruzem as fronteiras da Colômbia.
Quem defende o projeto, como é o caso do analista Alfredo Rangel, colunista da revista Semana e diretor da Fundação Segurança e Democracia, acredita que ele irá incrementar as baixas de guerrilheiros e combater o narcotráfico de maneira “ainda mais eficiente”, além de esclarecer de maneira “rigorosa” os termos da já vigente cooperação militar entre Colômbia e Estados Unidos.
Para ele, há um “alarme injustificado”, tanto por parte de colombianos, como dos vizinhos equatorianos e venezuelanos, que desconfiam do poder que será concedido aos norte-americanos em solo colombiano. “O acordo é extremamente rigoroso em seus termos e não deixará cabos soltos ou espaço à ambigüidade. O controle das operações derivadas da cooperação militar com os Estados Unidos será das forças militares colombianas”, afirma o analista ao Opera Mundi.
Colômbia ainda mais militarizada
Muitos defendem, como é o caso de Rangel, que o acordo em discussão representa “somente” uma evolução dos termos militares vigentes, uma vez que os Estados Unidos já ocupam atualmente várias bases militares colombianas.
Razão suficiente, segundo o coordenador do Observatório do Conflito Armado da Fundação Novo Arco Íris”, Ariel Ávila, para freá-lo, ainda que não acredite que isso seja possível. “Sempre houve presença de pessoal norte-americano na Colômbia. Esse número, já altíssimo, certamente vai ser incrementado, mas o problema maior é o risco de que aconteçam operações militares hostis em solo colombiano. As cláusulas conhecidas até agora deixam buracos neste sentido. É algo que certamente vai acontecer…”, opina Ávila, que esclarece que o número máximo permitido de pessoal norte-americano hoje na Colômbia é de 1,4 mil pessoas (800 militares e 600 civis contratados). “Sem contar os 2,5 mil ‘visitantes’, pessoas de passagem, que podem ficar no máximo quatro anos no país, o que já é bastante ‘permanente’”.
O mesmo temor por abuso militar e risco de ataques hostis tem Adam Isacson, o diretor do Programa de Segurança para a América Latina do Center of Internacional Policy, organização norte-americana independente, cuja missão é “promover uma política estrangeira norte-americana baseada em cooperação internacional, desmilitarização e respeito pelos direitos humanos”.
“É um acordo muito preocupante. Não sabemos quais serão as diferenças entre a base de Manta e as novas bases colombianas, por exemplo, em termos de imunidade norte-americana. O que sabemos é que se trata de um projeto muito maior, com o dobro ou o triplo de pessoal militar e certamente com outro tipo de natureza de operação”, diz Adam ao Opera Mundi.
“Não é totalmente verdade o que diz o governo colombiano sobre o controle das bases, que será realizado por eles. Sabemos que Uribe quer muito mais a ampliação dessa cooperação militar que meu próprio governo”, acrescenta o diretor, para quem o Plano Colômbia “fracassou quase totalmente”.
Imunidade x impunidade
A imunidade da qual gozarão os militares norte-americanos em território colombiano, segundo Alfredo Rangel, não deve ser confundida com “impunidade”. “O governo colombiano exigirá duras penas aos que cometam crimes”, explica Rangel, esclarecendo, porém, que eventuais crimes serão julgados pela justiça dos Estados Unidos, como é de praxe neste tipo de acordos. “Impossível que eles cedam neste ponto. É assim nas bases dos Estados Unidos no Japão, na Alemanha e em vários outros países”.
Apesar das ressalvas, entre colombianos comuns a reação ao acordo é em geral positiva, sem nenhum tipo de levante ou manifestação contra a medida. Muitos atribuem essa postura à proteção que tanto o governo de Uribe (e os de muitos de seus antecessores) como a opinião pública colombiana deseja ter dos Estados Unidos. “Acredito que é, antes de tudo, uma característica cultural do povo colombiano sentir-se próximo aos Estados Unidos. Some-se a isso as baixas da guerrilha graças ao Plano Colômbia, e é óbvio que a presença norte-americana é bem-vinda”, finaliza Rangel.
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