Os protestos contra o governo no Iraque entraram nesta sexta-feira (08/11) em sua terceira semana, com 13 manifestantes mortos em Bagdá e no porto de Basra, nas últimas 24 horas, segundo fontes médicas.
A situação é tensa também em Kerbala, cidade sagrada para os xiitas iraquianos, onde todas as noites ocorrem conflitos entre a polícia e os manifestantes.
“As autoridades temem essa mobilização popular. Para nossos líderes, há muitos interesses em jogo: interesses políticos, é claro, mas também financeiros. E eles têm medo de perder tudo isso se nossa mobilização der frutos”, disse Mohamed Hachem aos enviados especiais da RFI, Sami Boukhelifa e Boris Vichith.
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“É claro que estou falando dos partidos políticos no poder, de certos membros do governo. Também existem potências estrangeiras que interferem em nossos assuntos para defender seus próprios interesses. Todos estão tentando sufocar nosso movimento. Mas também reconheço que alguns manifestantes, ignorantes, estão convencidos de que a violência é a melhor maneira de se fazer ouvir,” completa.
Em Kerbala, assim como em Bagdá e outras cidades do sul do país, a juventude ocupa as ruas exigindo a queda do regime. Portando uma bandeira do Iraque, Hassan, 20 anos, confessa o seu desespero. “Nosso país está corrompido. Apesar dessa forte mobilização popular, nossos líderes ainda preferem nos ignorar. Faz 13 ou 14 dias que estou na rua protestando e ninguém nos ouve. Precisamos de um milagre para expulsar esses líderes corruptos “, afirma.
Violência aumenta à noite
Quando o sol se põe em Kerbala, as forças de segurança se preparam para a batalha. Quase todas as noites, a sede da polícia é atacada. Para jovens como Hassan, é hora de voltar para casa. “À noite, começam os problemas. Existem mercenários pagos para desacreditar nosso movimento “, diz.
Os manifestantes acusam Teerã de querer reprimir seu movimento, a fim de garantir a durabilidade do regime iraquiano, que eles acreditam servir aos interesses da República Islâmica. Nesta semana, uma multidão enfurecida tentou queimar o consulado iraniano em Kerbala.
Centenas de mortos
Desde 1º de outubro, os protestos violentos já deixaram cerca de 300 mortos, a maioria manifestantes. Em Basra, sete pessoas foram mortas em confrontos com forças de segurança nesta quinta (07/11) e sexta-feiras (08/11).
Reprodução
Na última semana, o acesso ao porto foi bloqueado. É por lá que entra boa parte das importações de alimentos e medicamentos para o país.
Em Bagdá, seis pessoas morreram quinta-feira em confrontos com a polícia. Apesar da violência, milhares tentavam se reunir nesta sexta-feira na Praça Tahrir, incluindo líderes tribais influentes no país.
“Sacrificamos o sangue dos filhos de nossas tribos. Não vamos parar até que o governo renuncie”, disse um manifestante vindo de Nasiriyah.
Durante a manhã, foram ouvidas explosões causadas por tentativas das forças de segurança de afastar manifestantes que tentavam ocupar as quatro pontes sobre o rio Tigre. Elas se tornaram uma frente de batalha em Bagdá, porque dão acesso à sede e escritórios do governo, localizados na costa oeste.
Organizações de direitos humanos emitiram alerta sobre prisões e intimidações de ativistas e médicos por forças de segurança não identificadas. Na província de Missan, dois ativistas foram mortos na quarta-feira (06/11) por agressores desconhecidos.
Um país rico com uma população pobre
As manifestações são alimentadas pela revolta contra a corrupção da classe política e pelo desemprego no país. A população também pede uma renovação total do sistema político implementado no Iraque desde a queda do ditador Saddam Hussein, em 2003.
A Transparência Internacional classifica o Iraque em 12º lugar entre os países mais corruptos do mundo.
Rico em petróleo, o país é o segundo maior produtor da OPEP. Seus habitantes, contudo, exigem sua parcela dessa riqueza. O desemprego afeta 25% da população jovem.
Em meio à mais grave crise social em mais de 15 anos no país, o primeiro-ministro iraquiano, Adel Abdel Mahdi, vem perdendo força e espaço para dar uma resposta aos protestos diários.
Em uma aparente imagem de normalidade, a televisão estatal divulgou a mensagem gravada que Abdel Mahdi dirigiu ao seu gabinete por ocasião do debate sobre o orçamento de 2020. Nessa mensagem, o político propôs medidas para apaziguar os manifestantes, incluindo a contratação de mais funcionários públicos e a promoção de projetos de infraestrutura.
Nesta sexta-feira, o clérigo xiita mais importante do país, o aiatolá Ali Sistani, disse que “não se pode esperar mais” e que “as forças políticas devem responder às demandas dos cidadãos”, segundo um sermão lido por um representante.