A jornalista francesa Ariane Lavrilleux, coautora de reportagens investigativas sobre o envolvimento do exército francês em operações militares secretas no Egito, está sob custódia policial desde terça-feira (19/09) por seu trabalho investigativo, segundo o veículo de imprensa para qual trabalha, Disclose.
A série de reportagens investigativas que Lavrilleux é coautora leva o nome de Egypt Papers e nasceu em novembro 2021, após a Disclose obter acesso à centenas de documentos “que revelam a responsabilidade da França nos crimes cometidos pela ditadura de Abdel Fattah al-Sisi no Egito”.
Os documentos apontavam, em especial, para a responsabilidade dos oficias franceses e cumplicidade do governo da França em ataques aéreos contra civis no Egito. O veículo comunicou que pela manhã, antes da detenção, por volta das 6h, houve uma busca na casa de Lavrilleux com um juiz e policiais do serviço de inteligência.
“A jornalista foi levada sob custódia como parte de uma investigação sobre o comprometimento de segredos de defesa nacional e de revelar informações que poderiam levar à identificação de um agente protegido”, informou o comunicado do Disclose.
Alors que la garde à vue de notre journaliste @AriaLavrilleux se poursuit depuis plus de 12 heures, @Disclose_ngo s'associe à l'appel au rassemblement des collectifs @PressePapiers13 et @Prenonsla1.
? Rdv à 18h30 devant l'hôtel de police de #Marseille https://t.co/O7NKHmalwu
— Disclose (@Disclose_ngo) September 19, 2023
O veículo classificou a ação contra Lavrilleux como um “último episódio de intimidação inaceitável” e “grave ameaça à liberdade de imprensa”, que tem como “objetivo claro identificar as fontes que ajudaram a revelar a operação militar Sirli no Egito”. A Disclose também alega que a busca e custódia são formas de atacar o direito à confidencialidade das fontes jornalísticas, entendida como direito ao sigilo.
Após 10 horas de busca e custódia policial, Lavrilleux ainda não tinha acessado seu advogado, o que o veículo investigativo considerou como um “grave ataque ao seu direito de defesa”.
Com o término das buscas em sua residência, e finalmente acompanhada de seu advogado, a jornalista foi levada à sede da polícia em Marselha, onde passou a noite e segue detida durante esta quarta-feira (20/09).
De acordo com informações do veículo, Lavrilleux é acusada de assinar cinco reportagens, publicadas pela Disclose desde 2019, sobre vendas de armas francesas no exterior; investigar a operação Sirli no Egito, juntamente com a vende de 30 aeronaves Rafale para o país africano; investigar armas entregue à Rússia até 2020; a venda de 150.000 projéteis para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU); e a transferência ilícita de armas dos Emirados Árabes Unidos para a Líbia.
Egypt Papers website
Egypt Papers nasceu em novembro 2021, após Disclose obter acesso a centenas de documentos que revelam atuação francesa no Egito
Em defesa da repórter, o portal de notícias declarou que tais informações confidenciais investigadas por Lavrilleux são de interesse geral e “esclarecem a realidade das relações da França com ditaduras e lançam luz sobre as armas fabricadas em território francês, mas voltadas contra populações civis”.
Repercussão e comícios de apoio
Após mais de 30 horas em custódia policial, diversas organizações de direitos humanos e liberdade de imprensa se manifestaram contra a prisão de Lavrilleux por seu trabalho como repórter.
A secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, declarou que Lavrilleux ser alvo de investigações após revelar a cumplicidade da França em ataques civis no Egito, e não os responsáveis por esses ataques, é “profundamente assustador”. “Sua detenção faz parte de um ataque mais amplo a jornalistas de interesse público que tentam expor as ações opacas dos serviços de inteligência franceses”, complementou a representante.
Já o veículo independente MediaPart chegou a questionar o porta-voz do governo francês, Olivier Véran, sobre o caso, mas o representante preferiu “ficar em silêncio e evitar a pergunta”.
O International Press Institute (IPI), organização responsável por promover a liberdade e a segurança na mídia internacional, pediu a “libertação imediata” da jornalista e que “as autoridades respeitem os padrões internacionais de liberdade de imprensa sobre proteção de fontes”.
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) também condenou a investigação contra a jornalista e afirmou temer que tais ações “prejudiquem o sigilo das fontes”.
Por sua vez, o sindicato dos jornalistas franceses (SNJ-CGT) considerou a detenção de Lavrilleux um “grave ataque às fontes jornalísticas”, também exigindo sua libertação imediata. “O SNJ-CGT presta também todo o seu apoio a jornalista que está em alerta contra um novo ataque à proteção do sigilo das fontes, à liberdade de informar e de ser informado”.
O sindicato ainda denunciou que o Estado francês “tem definitivamente problemas em proteger a confidencialidade das fontes dos jornalistas, ao ponto de pedir, em junho passado, que esse direito seja limitado na futura Lei Europeia sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação Social”.
Neste contexto, a Disclose e a associação por representação feminina nas redações jornalísticas Prenons la Une, da qual Lavrilleux é secretária-geral, apoiadas pela RSF, organizou comícios em toda a França a favor de Lavrilleux. Os encontros, inclusive na Praça da República, na capital Paris, começaram por volta das 18h30 locais (13h30 no horário de Brasília).
É esperado que a presidente da Disclose, Magali Serre, faça um pronunciamento durante a manifestação.